Igualmente causou-me alegria ao contemplar a liturgia do 24º domingo do tempo comum, com a parábola do “Pai misericordioso,” a qual resgata o cerne da mensagem de Jesus, onde com gestos e palavras, testemunha que ninguém está fora do projeto de Deus, assim como do seu amor e misericórdia. Uma mensagem existencial, que recorda que todos somos falhos, errantes, mas plenos de possibilidades. Por outro lado, reflete que a vida está configurada pelas escolhas que fazemos e, que não existem caminhos perfeitos, mas um itinerário de maturação a ser percorrido, entre erros e acertos.
Na 1º leitura (Ex 32,7-14), contemplamos Israel nesta dinâmica de amadurecimento, experimentando a tensão entre a fidelidade e a infidelidade frente a aliança selada com Iahweh. A 2º leitura (1 Tm 1,12-17), reaviva o testemunho de Paulo que encontrou um novo sentido de vida a partir do encontro com a pessoa de Jesus, que nele depositou sua confiança, apesar da vida errante que antes seguia.
No evangelho (Lc 15,1-32), é possível constatar que Jesus depositou este mesmo olhar e confiança nos publicanos e demais pecadores que dele se aproximavam para escutar suas palavras. Aqueles (fariseus/escribas) que estavam alheios da dinâmica por Ele empreendida, não eram capazes de reconhecer estas pessoas em sua dignidade, viam apenas seus pecados e impureza, por esse motivo julgaram a Jesus e condenaram seus atos. No entanto, como seu Reino é uma realidade para todos, contou-lhes uma parábola, a fim de refletir que estes (pecadores, publicanos, prostitutas…) também são filhos de Deus, o qual muito se alegra por seu retorno. “Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: Pai, dai-me a parte da herança que me cabe. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu […]” (Lc 15,11-32). Tal atitude para a sociedade atual, pode não ter nenhum significado ou representar qualquer escândalo, mas no contexto judaico do século I, representava uma grava ofensa e vergonha para a família e seu clã, uma vez que o filho homem era o responsável de perpetuar o nome dos antepassados e de assumir os negócios da família.
O grande protagonista da parábola é o pai representado pelo próprio Deus diante de seus filhos. A narrativa inicia com um ousado pedido do filho mais jovem. De acordo com o teólogo espanhol José Antônio Pagola, este filho pediu o imperdoável. Ao exigir a sua parte da herança, estava dando por morto o próprio pai, rompia com a solidariedade da família e colocava em risco sua honra. O pedido do filho foi uma loucura, no entanto, a postura do pai surpreendeu ainda mais, inclinando-se ao desejo do filho, que se desinteressava pela casa paterna (cf. PAGOLA, 2014, p. 161). Após conquistar o almejado, partiu para um país distante, gastou todos os bens e caiu na miséria, mas também em si. Recordando a abundância de seu lar, encheu-se de coragem e regressou ao seio familiar, mesmo com a consciência de ter perdido seus direitos de filho, contudo, estes foram restabelecidos no encontro com o pai, que não se deteve na transgressão cometida pelo jovem, mas sim na alegria de seu retorno. A cena é incrível: tudo é relatado a partir de um olhar diferenciado, humanizador, não legalista. O pai, símbolo de autoridade e poder sobre tudo e sobre todos, deixou de lado sua função social e guiou-se pelos sentimentos de um pai que tem diante de si um filho que havia perdido. Depois disso, o texto não entra em detalhes, mas podemos imaginar a comoção entre aquele que acolheu e aquele que foi acolhido.
Todos já passamos por situações similares e sabemos o quanto as desavenças familiares são desgastantes e lastimam, por outro lado, conhecemos a alegria da reconciliação, a paz encontrada no ato do perdão. Aquele pai correu ao encontro do filho, abraçou-o com ternura, cobriu-o de beijos sem temer seu estado de impureza. Gestos que se distanciam do modelo patriarcal e se aproximam ao materno (cf. PAGOLA, 2014, p. 162), capaz de recobrar a dignidade do filho, revestindo-o com as sandálias de homem livre, a túnica e o anel que lhe conferem a filiação e o senhorio. Como no contexto judaico a família era um dos pilares primordiais, foi preciso restabelecer a honra da família perante a sociedade, razão pela qual, o pai ofereceu um banquete convidando a todos os vizinhos (cf. PAGOLA, 2014, p. 162).
O outro jovem entra em cena (irmão mais velho), sem compreender a festa inesperada, bem como a atitude do pai, que considerou permissiva e sem razão de ser. Revoltado rebelou-se contra ele, desconhecendo o outro como irmão: “este teu filho” (v. 30). Diante de sua incompreensão, o pai igualmente saiu ao seu encontro, tendo para com ele as mesmas atitudes de anteriormente, convidando-o a celebrar o retorno do irmão que estava morto e tornava a viver.
Diante dessa realidade é possível constatar, a misericórdia do pai foi orientada para os dois filhos, não fez acepção entre eles. Para o filho mais jovem, a atitude foi de espera ativa. Ao vê-lo dar os primeiros passos de volta à casa, saiu ao seu encontro, demonstrando o desejo de seu regresso. Ao filho mais velho, demonstrou confiança e amabilidade, reconhecendo-o como igual: “tu estás sempre comigo, e tudo que é meu é teu” (v. 31). Entretanto, o simples rigorismo da Lei, havia endurecido seu coração. Quantas vezes somos fiéis observantes das prescrições religiosas, mas no âmbito fraterno somos estéreis, incapazes de reconhecer a alteridade do Outro. Em nenhum momento aquele pai jugou as atitudes de seus filhos, mas buscou integrá-los na realidade que os separava.
Como está o seu processo de maturação? O que te afasta da família, dos amigos? O que te desmotiva e te faz abandonar tudo? O que te motiva a voltar, a viver, a sonhar? Muitas vezes somos o filho disperso pelo rigorismo, em outras, o que esbanja seus dons, mas o importante é estar a caminho e no caminho, consciente de quem somos e do propósito que Deus tem para nós!
Uma feliz semana, reconfortada pelo abraço de Pai.