sábado, 14 de setembro de 2019

Amor como caminho do perdão



Após alguns meses sem escrever, dado as prioridades acadêmicas, cansaço, entre outros, tenho muita alegria em retomar os escritos neste blog. Todavia, não sei a frequência dos artigos, pois preciso dedicar tempo a outras atividades extras.

Igualmente causou-me alegria ao contemplar a liturgia do 24º domingo do tempo comum, com a parábola do “Pai misericordioso,” a qual resgata o cerne da mensagem de Jesus, onde com gestos e palavras, testemunha que ninguém está fora do projeto de Deus, assim como do seu amor e misericórdia. Uma mensagem existencial, que recorda que todos somos falhos, errantes, mas plenos de possibilidades. Por outro lado, reflete que a vida está configurada pelas escolhas que fazemos e, que não existem caminhos perfeitos, mas um itinerário de maturação a ser percorrido, entre erros e acertos.

Na 1º leitura (Ex 32,7-14), contemplamos Israel nesta dinâmica de amadurecimento, experimentando a tensão entre a fidelidade e a infidelidade frente a aliança selada com Iahweh. A 2º leitura (1 Tm 1,12-17), reaviva o testemunho de Paulo que encontrou um novo sentido de vida a partir do encontro com a pessoa de Jesus, que nele depositou sua confiança, apesar da vida errante que antes seguia.

No evangelho (Lc 15,1-32), é possível constatar que Jesus depositou este mesmo olhar e confiança nos publicanos e demais pecadores que dele se aproximavam para escutar suas palavras. Aqueles (fariseus/escribas) que estavam alheios da dinâmica por Ele empreendida, não eram capazes de reconhecer estas pessoas em sua dignidade, viam apenas seus pecados e impureza, por esse motivo julgaram a Jesus e condenaram seus atos. No entanto, como seu Reino é uma realidade para todos, contou-lhes uma parábola, a fim de refletir que estes (pecadores, publicanos, prostitutas…) também são filhos de Deus, o qual muito se alegra por seu retorno. “Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: Pai, dai-me a parte da herança que me cabe. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu […]” (Lc 15,11-32). Tal atitude para a sociedade atual, pode não ter nenhum significado ou representar qualquer escândalo, mas no contexto judaico do século I, representava uma grava ofensa e vergonha para a família e seu clã, uma vez que o filho homem era o responsável de perpetuar o nome dos antepassados e de assumir os negócios da família.

O texto não deixa claro o local e a veracidade da parábola, mas de acordo com a pedagogia de Lucas, ocorreu ao longo do caminho, lugar de amadurecimento e decisão para aqueles que caminham com Jesus. Somam-se a esta parábola, outras duas: a da ovelha e da moeda perdida, que quando encontradas manifestam a alegria de seus donos, similar a alegria de Deus com o retorno de seus filhos dispersos.

O grande protagonista da parábola é o pai representado pelo próprio Deus diante de seus filhos. A narrativa inicia com um ousado pedido do filho mais jovem. De acordo com o teólogo espanhol José Antônio Pagola, este filho pediu o imperdoável. Ao exigir a sua parte da herança, estava dando por morto o próprio pai, rompia com a solidariedade da família e colocava em risco sua honra. O pedido do filho foi uma loucura, no entanto, a postura do pai surpreendeu ainda mais, inclinando-se ao desejo do filho, que se desinteressava pela casa paterna (cf. PAGOLA, 2014, p. 161). Após conquistar o almejado, partiu para um país distante, gastou todos os bens e caiu na miséria, mas também em si. Recordando a abundância de seu lar, encheu-se de coragem e regressou ao seio familiar, mesmo com a consciência de ter perdido seus direitos de filho, contudo, estes foram restabelecidos no encontro com o pai, que não se deteve na transgressão cometida pelo jovem, mas sim na alegria de seu retorno. A cena é incrível: tudo é relatado a partir de um olhar diferenciado, humanizador, não legalista. O pai, símbolo de autoridade e poder sobre tudo e sobre todos, deixou de lado sua função social e guiou-se pelos sentimentos de um pai que tem diante de si um filho que havia perdido. Depois disso, o texto não entra em detalhes, mas podemos imaginar a comoção entre aquele que acolheu e aquele que foi acolhido.

Todos já passamos por situações similares e sabemos o quanto as desavenças familiares são desgastantes e lastimam, por outro lado, conhecemos a alegria da reconciliação, a paz encontrada no ato do perdão. Aquele pai correu ao encontro do filho, abraçou-o com ternura, cobriu-o de beijos sem temer seu estado de impureza. Gestos que se distanciam do modelo patriarcal e se aproximam ao materno (cf. PAGOLA, 2014, p. 162), capaz de recobrar a dignidade do filho, revestindo-o com as sandálias de homem livre, a túnica e o anel que lhe conferem a filiação e o senhorio. Como no contexto judaico a família era um dos pilares primordiais, foi preciso restabelecer a honra da família perante a sociedade, razão pela qual, o pai ofereceu um banquete convidando a todos os vizinhos (cf. PAGOLA, 2014, p. 162).

O outro jovem entra em cena (irmão mais velho), sem compreender a festa inesperada, bem como a atitude do pai, que considerou permissiva e sem razão de ser. Revoltado rebelou-se contra ele, desconhecendo o outro como irmão: “este teu filho” (v. 30). Diante de sua incompreensão, o pai igualmente saiu ao seu encontro, tendo para com ele as mesmas atitudes de anteriormente, convidando-o a celebrar o retorno do irmão que estava morto e tornava a viver.

Diante dessa realidade é possível constatar, a misericórdia do pai foi orientada para os dois filhos, não fez acepção entre eles. Para o filho mais jovem, a atitude foi de espera ativa. Ao vê-lo dar os primeiros passos de volta à casa, saiu ao seu encontro, demonstrando o desejo de seu regresso. Ao filho mais velho, demonstrou confiança e amabilidade, reconhecendo-o como igual: “tu estás sempre comigo, e tudo que é meu é teu” (v. 31). Entretanto, o simples rigorismo da Lei, havia endurecido seu coração. Quantas vezes somos fiéis observantes das prescrições religiosas, mas no âmbito fraterno somos estéreis, incapazes de reconhecer a alteridade do Outro. Em nenhum momento aquele pai jugou as atitudes de seus filhos, mas buscou integrá-los na realidade que os separava.

Como está o seu processo de maturação? O que te afasta da família, dos amigos? O que te desmotiva e te faz abandonar tudo? O que te motiva a voltar, a viver, a sonhar? Muitas vezes somos o filho disperso pelo rigorismo, em outras, o que esbanja seus dons, mas o importante é estar a caminho e no caminho, consciente de quem somos e do propósito que Deus tem para nós!

Uma feliz semana, reconfortada pelo abraço de Pai.

1º Domingo da quaresma 2020