Com esta a solenidade de Cristo Rei, concluímos o ano litúrgico de 2018. Neste ano celebramos timidamente o ano do laicato, lembrando o papel fundamental dos leigos na Igreja.
A liturgia deste dia, é um tanto paradoxal, pois a maioria dos cristãos creem em Jesus todo poderoso, cheio de pompas e honrarias, enquanto que o evangelho correspondente a festa, revela um Deus rebaixado de sua condição divina, um Deus que opta pela via da humildade, do despojamento. A este Deus ninguém quer seguir e servir, pois é o Deus que vive em seu próprio ser o flagelo humano do abandono, da dor e da injustiça.
Deus não deseja ser o soberano das massas, mas íntimo dos corações que a ele se abrem. Parece contraditório falar deste Deus, enquanto movimentos contrários parecem ser mais fortes, defendendo um Deus que mais lhes convém. É preciso sempre recordar e contextualizar a história da nossa Igreja, que oficialmente a partir de 380, passou a ser a religião oficial do Império Romano, que antes a perseguiu. A partir daí, houve a aliança entre o poder religioso com o poder político e, aí surge a questão: como testemunhar um Deus que diverge a essa aliança? Como um Deus que morreu miserável na cruz, como um desgraçado, maldito, poderia justificar sistemas opressores?! Após Constantino, a Igreja foi transformando a compreensão de si mesma e da imagem de Deus. Assim como os bispos e presbíteros, Deus também foi revestido de púrpura e insígnias imperiais. Desde então, fomos catequizados a imagem de um Deus todo poderoso, onipotente... Esta imagem em muito favoreceu o poder e a nobreza, mas o afastou da vida cotidiana dos cristãos.
Não se esqueçam que o vermelho que cobre nossos altares, é a recordação do sangue derramado de um Deus que se fez carne e habitou entre nós. Os símbolos litúrgicos têm muito valor e nos introduzem na mística do mistério celebrado. Em lugar de cor branca, a liturgia deste final de semana, deveria utilizar a vermelha, pois Jesus nos demonstrou sua realiza através da sua entrega que culminou na cruz.
Meus queridos amigos e leitores, desde o princípio, nossa fé foi contra corrente, por isso, vos exorto: voltem verdadeiramente ao Senhor, deixem Jesus vos falar, iluminar suas vidas. Não se deixem enganar, pois existem muitas coisas querendo nos tirar do caminho do discipulado. Mesmo na Igreja, temos correntes que atentam contra a nossa fé, seja ela fundamentalista, relativista ou progressista. A verdadeira doutrina sempre nos conduzirá ao evangelho e a práxis cristã a partir dos atos de Jesus. O contrário disso, é um farisaísmo hipócrita, que utiliza da religião para esconder seus verdadeiros interesses.
Deem mais espaço a Ruah Iahweh. Aquela força criadora que permitiu nossa existência, aquela força que permeou a história da salvação, fazendo possível a encarnação, a própria vida e missão de Jesus e sua ressurreição. Aquele mesmo Espírito que tirou a comunidade de Jerusalém do medo e fechamento que se encontrava. Muitas vezes nossos cultos e liturgias estão vazios desta presença, muitos fiéis vão por tradição ou obrigação, seja aos domingos ou dias santos instituídos pela Igreja. Os presbíteros estão em sua maioria esvaziados de teologia, oferecendo em suas homilias qualquer coisa, celebrando missa apressadamente, sem tempo de acolher e de estar com o povo, seja no dia a dia da paroquia ou no sacramento da reconciliação. Se esquecendo que o povo tem sede de Deus e acabam bebendo de águas equivocadas, superficiais, que não saciam sua sede. Como Deus reinará sim? Qualquer deus não é Deus! Os primeiros cristãos diante da perseguição e morte não deixaram de crer, pois haviam sido tocados por Deus e, assim se assemelha experiência dos cristãos em áreas de riscos e conflitos políticos, como no caso da Igreja na China. Por que não desistiram? Porque encontraram o que realmente importa. E nós, quanto mais longe de Deus estamos, vamos nos enchendo de adornos para esconder o vazio que ameaça.
Na primeira (Dn 7, 13-14) e segunda (Ap 1, 5-8) leitura, temos dois textos que pertencem ao gênero da apocalíptica. Literatura de resistência que busca animar o povo perseguido. Ambos utilizam uma linguagem simbólica, pois se encontram em tempos de ditadura e não podem falar abertamente, mas por meio de símbolos e mitos, buscam testemunhar a presença de um Deus que não os abandona, seja pela opressão grega (Daniel) ou Romana (Apocalipse).
O Salmo 92/93, assim como os demais salmos pertencem a séculos antes de Cristo, mas que são relidos a partir da ótica cristã. O salmo de hoje canta: Deus é Rei e se vestiu de majestade. Se nosso rei Jesus, qual é a sua vestidura que deu origem a nossa fé? Volto ao início desta reflexão. Deus encarnado em Jesus, se despojou de sua condição e revestir-se do manto da humildade e, mesmo aí, foi reconhecido como Deus, a exemplo do relato do soldado romano diante da cruz e do bom ladrão.
A majestade do Deus cristão é inversa, isso nos mostra o evangelho de João 18, 33-37, já comentado acima. Para concluir, destaco a figura de Pilatos, que diante da verdadeira luz que é Jesus, não foi capaz de enxerga-lo e ouvir a sua voz, pois seu coração estava centrado em si mesmo e no poder. Escutamos a voz de Jesus ou nos entretemos com outras vozes?
Como Igreja iniciaremos uma nova etapa e experiência de um novo nascimento de Cristo e em Cristo. O advento nos vem como um tempo de discernimento para celebrar a chegada do Deus luz, que só pode ser visto pelos que são videntes na fé.
Abraços a todos e um excelente final de semana!