Estamos no contexto do famoso domingo de Ramos, abertura para a semana maior que compreende a centralidade da nossa fé: Paixão, Morte e Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. No entanto, estes eventos ganham seu pleno sentido quando olhamos para a vida de Jesus e contemplamos um ser humano/divino imerso no projeto de Deus, encarnado na vida, prefigurando a ressurreição, pois seus gestos e palavras testemunhavam uma vida transfigurada.
Somente compreendemos a morte horrenda de Jesus, quando nos deixamos questionar pelos seus gestos de ruptura com o sistema religioso e político de sua época. Sua morte dever ser avaliada e compreendida desde os âmbitos de uma entrega total e de uma consequência histórica. Mas alguém pode me perguntar, como assim? E dentro da minha concepção e experiência de fé, respondo: Jesus não foi enviado para morrer no nosso lugar, como muitos acreditam, mas veio ser doador de vida e de amor. Veio como o enviado do Pai, lembrar a seu povo qual é a função da verdadeira religião e o querer de Deus para cada ser humano e toda a criação. Ele jamais pensou em fundar religião “Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas, não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento...” (Mt 5,17). No entanto, sua maneira de ser, de se relacionar e suas críticas ao sistema de morte, despertaram nas autoridades religiosas incomodo, inveja e medo, pois Jesus representava ameaça de um sistema estabelecido, que era oportuno para muitos e excludente para a maioria da população.
A entrega doadora e generosa de Jesus, foi o querer do Pai, mas sua morte de cruz, foi o resultado final do desprezo que Ele sofreu. “O amor não foi amado”, declara lucidamente Santo Agostinho. É este Jesus que precisamos resgatar! O Jesus que é capaz de nos apaixonar, de aquecer o coração e nos dá um norte de vida. O Jesus vendido pelas religiões hoje, é uma farsa que desfralda todo o ser e projeto de Jesus. Um deus que ilude e não preenche o coração, mas escraviza e esvazia o bolso.
Novamente estamos na semana santa e o que vai mudar? Isto cada cristão deve descobrir olhando profundamente a realidade que o circunda, pois a ressurreição é uma experiência primeiramente pessoal e depois comunitária “porque cada um pode ter sua realização somente na comunidade e a comunidade somente através de cada um”. É preciso cada cristão resgatar a paixão, o vigor inicial da experiência de caminhar com Jesus e testemunhar sua ressurreição. O mundo espera de nós atitudes ressuscitadas, comprometidas e transformadoras. Todos reclamam da situação do país, mas nunca deixam o banquinho da passividade, esperando que a solução venha de fora. Isso não é ser cristão e tampouco corresponde aos ensinamentos de Jesus.
Neste domingo vamos contemplar um ser apaixonante, que encantou as multidões, mas que provocou a antipatia dos mandatários. Importa refletir de que lado estamos. Isso somente saberemos olhando sem medo para nós mesmos e nosso modo de nos relacionarmos com as coisas, as pessoas, a criação e as diferentes situações que ocorrem em nossa vida.
A dinâmica da celebração do domingo é um pouco diferente das demais, pois no lugar do ato penitencial, temos a benção da agua e a aspersão dos ramos. Em seguida, se dá a leitura do evangelho próprio para este domingo: Mc 11, 1-10, que relata a entrada majestosa de Jesus em Jerusalém, onde ele é acolhido calorosamente pela multidão que o reconhece como o messias esperado, aquele que vem em nome de Deus, restaurar o mundo: “hosana, bendito o que vem em nome do Senhor....”(Mc 11, 9b e ss).
Jesus entra montado em um jumentinho, animal forte, utilizado para os trabalhos mais pesado. Ao mesmo tempo, Jesus demonstra que não é um líder guerreiro, pois os soldados e oficiais utilizavam cavalos e todo um equipamento de montaria. No entanto, tal gesto de Jesus repercutiu diretamente na cúpula religiosa do templo e nas autoridades políticas que se reuniam em Jerusalém para celebrar a festa judaica da páscoa.
Por detrás dos eventos da semana santa e da narrativa correspondente ao domingo de ramos, encontramos algumas curiosidades que se contrapõem e fazem mais conflitiva a vida de Jesus e seu projeto. Estando no contexto da páscoa, subiam a Jerusalém pessoas de todas as partes, entre elas as autoridades políticas. Nestes dados, conto com as pesquisas e estudos do Pe. Anderson Geraldo Pinheiro Malta, pároco da Igreja Santa Efigênia.
No início da semana da Páscoa judaica, na primavera do ano 30, duas procissões entraram em Jerusalém: a procissão dos camponeses que cortejava Jesus e a outra um desfile imperial da corte de Pilatos (governador da Iduméia, da Judéia e da Samaria). A procissão de Jesus chegava do Leste, enquanto que Pilatos pelo Oeste. Poder e simplicidade se confrontam. “O cortejo de Jesus proclamava o Reino de Deus, o de Pilatos o poder do império. O desfile militar de Pilatos era uma demonstração do poder e da teologia imperial romana. Teologia segundo a qual o imperador, além de governante de Roma, era tido como o Filho de Deus” (John Dominic Crossan).
“A entrada de Jesus foi, portanto, um contra-cortejo combinado, que se contrapunha ao que estava acontecendo do outro lado da cidade. Personificava uma visão alternativa, o Reino de Deus. O cortejo de Pilatos personificava o poder, a glória e a violência do império que governava o mundo: o reino de César” (John D. Crossan no livro: a última semana de Jesus).
Como já vínhamos refletindo, em Jerusalém predominava um sistema de dominação que oprimia o povo em todos os âmbitos: social, político e religioso. Infelizmente “na maioria das sociedades pré-modernas que conhecemos, a religião era usada para legitimar o lugar dos ricos e poderosos na ordem social sobre a qual eles presidem” (John D. Crossan no livro: a última semana de Jesus).
Jesus se encarnou e viveu neste contexto, porém seu atuar foi de aposição a este sistema. É muito interessante tudo isso, pois a grande história da Igreja foi ao lado da monarquia, dos ricos, poderosos, o diferencial que seu discurso sempre visou os pobres. O problema desde sempre foi a prática. O importante é saber por onde seguimos e que caminho escolhemos trilhar.
Aos seus fiéis hoje o Pe. Anderson questionava:
- Por qual dos portões temos entrado?
- O estilo das celebrações na maioria das Paróquias, se aproxima de qual dos cortejos?
- As pompas, a exuberância da indumentária, a extravagância visual do poder da instituição, o rubricismo litúrgico, os holofotes nos membros do clero, fazem parte de qual dos cortejos?
Pouco adianta fazer o memorial da semana santa, se não vivemos seus ensinamentos, se não nos deixamos interpelar por estes eventos centrais de nossa fé.
Terminada a procissão de ramos, se segue a liturgia da Palavra que prepara o cenário para o anuncio da paixão, vendo em Jesus o novo servo sofredor (Isaías 50, 1-4). O salmo 21/22 exclama desde já o que será posto na boca de Jesus por Marcos: “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? ”
A 2º leitura da carta de Paulo aos Filipenses 2, 6-11, narra o rebaixamento de Deus, sua kenosis, quando Jesus sai do seio da trindade e seu limita ao tempo e espaço da vida humana.
No evangelho de Marcos 15, 1-39 temos um dos relatos da paixão e morte de Jesus, que iremos refletir na sexta-feira santa.
Feliz domingo deixando-nos tocar
pela mística da Semana Santa!
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