Após a festa de Pentecostes, coroação da páscoa, a igreja nos introduz no mistério da Santíssima Trindade, um tema que a mim sempre soou chato e incompreensível. Este ano estou tendo a alegria de estudar um pouco sobre a doutrina trinitária, com a Dr. Atrea Marin, teóloga especialista na Trindade. Com a professora Áurea e os vários autores que nos indica, me desperta a cada dia para a beleza e profundidade do ser da Trindade, onde percebo algo vivo, dinâmico e sempre atual.
Dr. Áurea Marin
Para adentrar no mistério da Trindade vamos iniciar com parte de um poema a Santíssima Trindade escrita por Frei Elionaldo Ecione e Silva, O. de M. onde expressa o ser da Trindade, seu mistério, encanto e leveza.
...Ó Trindade!
Fonte de amor e de bondade!
Doação, acolhimento e reciprocidade,
Graça, luz e verdade.
Perfeita comunhão, plena liberdade!
Profunda identificação e alteridade,
Um só desejo e uma só vontade.
Pericórese de amor, ágape extasiador!
Pessoas diferentes numa mesma natureza,
Fonte de Beleza e incomensurável riqueza.
Brilho intenso, calor imenso, esplendor de verdade!
Em ti toda a humanidade encontra plenitude,
Ó Senhor, ó Majestade, ó Santíssima Trindade!
Para quem deseja conferir o poema completo:
https://reparatoris.wordpress.com/2013/10/21/poesia-a-santissima-trindade/
A Trindade se constitui na unidade da diversidade de pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas, onde cada uma tem a sua singularidade, por mais que procedam da mesma essência. Ricardo de São Vitor, que também se dedicou ao estudo da Trindade, fez a seguinte afirmação: " em Deus há unidade segundo o modo de ser, mas na pluralidade". A diversidade e a pluralidade, é o constitutivo da Trindade., onde não existe confusão ou mutação, e muito menos separação de pessoas, porque o ser da Trindade é sinônimo de comunhão. Mesmo quando existe mais relevância sobre uma das pessoas da Trindade, as outras duas estão agindo em comunhão com ela (relação pericorética).
Deus Pai como sabemos, é a origem de toda a vida divina da Trindade. Ele é o incriado: origem de tudo o que existe. Dele procede o Filho e o Espírito Santo, que partilham de sua mesma divindade. Aqui não nos referimos a três deuses (triteísmo) ou três formas da manifestação de Deus (modalismo), mas de Deus em três pessoas (Trindade).
Não se preocupem em entender com a simples razão mistério da Trindade, busquem mergulhar e contemplar esta relação de amor, relação que acolhe a cada pessoa em sua singularidade. Se excluímos essa diversidade dá Trindade, ela perderia sua essência e não existiria. As pessoas da Trindade são diversas, mas se convergem para o Uno.
Como igreja precisamos resgatar a centralidade da Trindade e seus ensinamentos em nossa fé, essencialmente em tempos tão difíceis, onde não se respeita ou se acolhe as pessoas em sua diversidade cultural, religiosa, social e sexual. Se mata pelo que difere e se ignora o que nos une: semelhança como seres humanos. Parem e pensem, ninguém escolhe ser o que é, nascer onde nasce... "a diferença vem da origem" (Ricardo de São Vitor), tal como ocorre com a Trindade.
A Trindade é vivência encarnada de amor, da atual brota toda a sua vida e dinamicidade. Desde a Trindade fomos criados, por ela subsiste o universo e todas as coisas criadas, sejam elas visíveis ou não aos nossos olhos.
Celebrar hoje a Trindade é fazer memória de um princípio de solidariedade, de comunhão, de diversidade e pluralidade que constitui a ela, mas também a nós e nossas relações, pois nos enriquecemos e complementamos na relação com o outro, com o diferente de mim.
A Trindade aponta para autêntico estilo de sociedade: igualdade de natureza, diversidade vivida na unidade. Se contemplamos o ministério de Jesus veremos que seus gestos eram profundamente trinitários, permeados de um amor gratuito que integrava até mesmo o dissonante, fosse ele no âmbito social ou religioso. Nele acontecia o desejado Reino de Deus.
Somos trinitários? Olhemos nossas relações, nossa abertura aos que são e pensam diferente, relações que devem ser banhados de respeito e reverência, pois quando entramos na cultura, na vida de alguém tocamos seu "Sagrado", por isso se faz necessário tirar as sandálias dos preconceitos, das opiniões subjetivas e das estruturas mentais. Para reafirma esta necessária diversidade, lhes convido a reler a segunda leitura do domingo de Pentecostes, da primeira carta aos Coríntios, na qual São Paulo nos falava da diversidade de dons que constituem a comunidade. Igualmente a diversidade de seres, constitui a criação sonhada por Deus desde o seio da Trindade.
Na primeira leitura do livro do Deuteronômio 4, 32-34; 39-40, temos algo da compreensão de Deus que tinham os israelitas. Acreditavam por exemplo, que ninguém podia ver a Deus, pois do contrário morreria. Acreditavam que Deus os teria escolhido dentre os demais povos e que teria se revelado por meio de suas tribulações, libertando-os do poder dos inimigos. Como é possível perceber, a imagem de Deus é influenciada pelo contexto de cada época. Para eles guardar as leis e os mandamentos, era sinal de amor e de fidelidade a Deus, por isso se deveria guardar (gravar) no coração: sinal de maior acolhida e reverência a Deus.
O Salmo 32, será o reflexo da 1° leitura, onde os israelitas se sentem escolhidos por Deus, por isso exclamam: "Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança"! Deus na verdade escolhe a cada um e a cada povo. A cada qual se revela de modo distinto, segundo suas crenças e culturas.
A 2° leitura da carta aos Romanos 8, 14-17, nos lembra que como filhos de Deus somos guiados pelo Espírito Santo. O Espírito que deve reinar, deve ser o de liberdade. Meus irmãos, olhando cada qual sua comunidade e realidade paroquial, podemos refletir se temos sido agentes deste Espírito de Deus ou agentes do espírito de discórdia, de fofoca, de maledicência, de divisão, discriminação e etc. Se somos todos filhos do mesmo Pai, por que excluímos o irmão? Por que excluímos aquele que recebeu o mesmo batismo que nós? Só porque não deu certo em um matrimônio? Engravidou antes do casamento? Só porque fogem dos esquemas arcaicos e opressores, de uma sociedade machista, comandada por homens, brancos e héteros? A quem realmente seguimos? Quando lhes questiono isso, não me coloco no lugar de perfeita, sei de meus limites, mas também sei do potencial que Deus pôs em mim e na sua igreja. E seguindo o pensamento agostiniano, creio que o desejo nos move e nos faz crescer, e não o contrário. O caminho se faz ao andar, como afirma o profeta de nosso tempo: Dom Pedro Casaldáliga. É no caminho que nos descobrimos, caímos e levantamos, encontramos as flores, as pedras, os espinhos e as sementes do amanhã.. A própria compreensão da Trindade passou por um caminho de erros e acertos, por isso é sumamente importante viver o caminho, as experiências oferecidas por ele.
No evangelho de Mateus 28, 16 -20, temos o encontro do ressuscitado com sua comunidade. Aquilo que aprenderam de Jesus não deveria se reduzir a comunidade dos discípulos, mas ser uma mensagem envolvente para todos, levando o frescor do Evangelho. Na narrativa joanina, vemos a relação de Jesus com o Pai e o Espírito Santo, que procede de ambos. Mateus que em muito se distingue do evangelho de João, concluir seu evangelho mostrando que a ação de Jesus é profundamente trinitária, na qual a comunidade deve seguir seu exemplo. Ele não diz: batizai-os em meu nome, mas batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É importante ressaltar que o nome representa a própria pessoa, portanto cada batizado é introduzido no seio da Trindade, por isso se faz imprescindível a participação da comunidade na vida do neófito, no entanto, existem cristãos que batizam seus filhos e somem da igreja. Que testemunho essa criança terá? É na vivência comunitária que vamos descobrindo a relação trinitária e o amor que dela emana. Jesus é o exemplo a seguir: "fazei meus discípulos"!
Um Feliz final de semana para todos!
Lembrando que diante de um país em conflitos,
somos chamados a tecer relações trinitárias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário