Bem-vindo seja o mês de setembro e com ele a beleza da primavera em sua diversidade e encanto. Como Igreja nos dedicamos de modo especial a um maior tempo de reflexão sobre as Sagradas Escrituras, dedicando a cada ano uma explanação sobre um de seus livros. Este ano refletiremos sobre o livro da Sabedoria, que desejo partilhar com vocês futuramente em um outro artigo.
Infelizmente constatamos que muitos cristãos não se preocupam em conhecer as Sagradas Escrituras, permanecendo num conhecimento raso. É sumamente importante identificar o contexto no qual uma determinada passagem foi escrita e qual era a intenção do autor e da comunidade, pois mesmo sendo Palavra de Deus, ela foi escrita a partir da experiência humana e sua percepção sobre Deus, pois tudo isso nos ajudar a compreender a mensagem a ser transmitida.
As Sagradas Escrituras diferente do que muitos acreditam, foi sendo escrita dentro de uma grande diversidade cultural, mas com o foco na fidelidade a YAHWEH, como vemos na 1º leitura de hoje (Dt 4, 1-2.6-8), onde Moisés transmite as leis de Deus a Israel, que está se constituindo como povo e se prepara para entrar na terra prometida. É interessante perceber como Moisés expressa a sua experiência de Deus, como sendo um Deus próximo, ligado as suas vidas (v.7). No entanto, esta percepção de Deus e da vida foi perdida, pois com o passar do tempo e dos acontecimentos: perseguições e dominações, o povo Judeu foi se fechando ao "mundo" em uma busca de resguardar a sua identidade, fé e cultura, se tornando um grupo fechado, uniformizante, centrado na lei.
Jesus como um autêntico judeu, buscou romper com o peso da lei e das estruturas judaicas, que no lugar de defender a vida, como era a proposta inicial, passou a oprimir e excluir. Esse confronto de Jesus com as autoridades podemos constatar nos Evangelhos. Se lemos atentamente as Sagradas Escrituras, percebemos que elas nos dão pistas para melhorar a nossa sociedade ou afunda-la, conforme estejam as lentes dos olhos da nossa fé e da percepção da realidade.
A fé não pode estar desligada do chão da vida, é aí que ela acontece e cresce. "Quando nos reunimos em nome do ressuscitado e lemos as Sagradas Escrituras, é o mesmo Jesus quem fala, é o Espírito dele que se derrama sobre nós, que recorda o sentido dos acontecimentos da salvação, nos dá a capacidade de compreender a sua mensagem e nos coloca em comunhão com ele" (Ione Buyst). Por isso meus irmãos, " participar da liturgia sem participar ativamente da vida e missão da Igreja presente no mundo, significa não compreender o evangelho de Jesus Cristo e a liturgia celebrada em sua memória" (Ione Buyst, em seu livro, o mistério celebrado: memória e compromisso -I). Como vemos, toda a liturgia é vida, a Bíblia é vida. A experiência de Deus só ocorre encarnada na vida.
Nossa fé precisa fecundar o chão da existência, o chão da dor pessoal, o chão da dor dos irmãos e do planeta. Viver assim é divino! É ser fiel ao projeto de Jesus onde a vida sempre está no centro. Nossos líderes políticos também deveriam assumir em seus planos de governo estes mesmos princípios, pois afinal de contas, estão em tais cargos para servir ao povo e proporcionar-lhes os direitos básicos em favor da vida, da justiça e equidade.
Um político, um representante religioso, deve ser um líder diante do povo, um bom pastor que guia e orienta, porém estamos em tempos de lobos que roubam a fé e a esperança do povo, por meio de argumentos que manipulam a consciência da população, argumentos polarizados e subjetivos, com pouco senso da verdadeira situação do país e seus habitantes. Incentivar a violência, defender o uso da mão armada, não é sinal de sanidade ou solução para a violência. Por isso, é necessário investir em políticas públicas e rever os nossos representantes.
A 2° leitura (Tiago 1, 17-18. 21b-22. 27), nos apresenta uma autentica conexão entre a fé e a vida. O v. 22 nos convida a ser praticantes da Palavra e não meros ouvintes, pois quem o faz engana a si mesmo. O v. 27 ainda complementa: “a verdadeira religião, pura e sem mancha diante de Deus Pai, é assistir os órfãos e as viúvas em suas necessidades e não se deixar contaminar pelo mundo" (da ganância, do capitalismo desmedido, da corrupção da Injustiça e etc).
O evangelho de Marcos 7, 1-8. 14-15. 21-23, denuncia o abandono do mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. Nesta passagem existe um claro conflito entre os fariseus e doutores da lei com Jesus e seus discípulos, pois Jesus rompe com algumas tradições que são excludentes e sem razão de ser para os seus dias. Jesus não descarta a necessidade da higiene pessoal e o devido cuidado com os alimentos na hora de consumi-los, mas questiona os exageros dos rituais de pureza, onde a única preocupação era sobre o externo e o aparente, enquanto que o interno estava longe de Deus e do projeto inicial que deu a vida Israel. Adverte sobre o que realmente nos torna impuros: tudo o que sai do ser humano: calunia, ofensa, mentira..., pois como bem afirma o ditado popular: "a boca fala daquilo que o coração está cheio".
Quão importante é a consciência de nós mesmos, de nossas intenções, motivações e pensamentos, pois não somos computadores programados, mas seres que vivem em constante transformação, aperfeiçoamento, crescimento e amadurecimento, ou declínio e morte. Nós decidimos, pois somos seres racionais, temos esta liberdade, contrário à dos animais que vivem dominados pelos seus instintos. Temos a cada dia, a oportunidade de fazer a diferença no mundo.
Meus queridos irmãos e irmãs, que o peso da lei com sua rigidez, não tire de nós a vida divina, a beleza da vida humana, da convivência, da esperança e do amor. Uma feliz semana e um excelente início de mês.
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