Nos encontramos no 7º domingo do tempo comum, que faz uma profunda reflexão sobre a práxis cristã, que é ousada e desafiadora, mas que tendo Jesus como seu fundamento se estrutura em uma busca de seguir seu exemplo.
A narrativa é de Lucas 6, 27-38, que propõe uma inversão de valores: já não mais olho por olho e dente por dente, mas o amor como princípio de vida. A primeira afirmação que encontramos é esta: Amai os vossos inimigos. Com esta afirmação Jesus não propõe um sentimentalismo nas relações, mas uma atitude madura que nos permita enxergar o outro em sua alteridade. Diante do outro que não sou eu, Jesus nos convida a uma atitude de respeito e diálogo, que é independente de nossos sentimentos.
Trago dois grandes exemplos desta realidade. O primeiro é o próprio Jesus, que diante do desprezo que e da dor, usou de misericórdia para com seus algozes. O segundo exemplo é Nelson Mandela, presidente da África do Sul e líder do movimento contra o Apartheid: movimento que legislava a segregação dos negros no país. Por esta razão, foi perseguido e preso, passou 27 anos na prisão, sendo vários deles em uma solitária, recluso de tudo e de todos. Um dos carcereiros testemunhou que sua presença sempre foi pacífica e respeitosa, mas o gesto que marcou e deu grande testemunha de sua liberdade interior e perdão, foi ter convidado seus carcereiros para uma festa que celebrava sua liberdade. Surpreendentemente, colocou no lugar de destaque os dois estranhos carcereiros: um a sua direita e a esquerda, não para humilhá-los, mas para integrá-los e permitir-lhes que o vissem como um ser humano, não como um preso político, maltrapilho tratado como objeto.
Mandela era cristão e agiu como um verdadeiro cristão. A vida e os gestos de Jesus foram para ele inspiração e motivação para o perdão. Sua longa estadia na prisão foi de hostilidade por parte das autoridades, sendo tratado como o maior terrorista da África do Sul, que deveria ser punido e perseguido, no entanto sua presença é recordada como sinônimo de paz e de respeito frente aos seus adversários. Nunca deixou de lutar e acreditar nos seus sonhos. Seu corpo estava, recluso, mas sua liberdade jamais conheceu qualquer cativeiro. Teve todos os motivos para ser revoltado, mas o amor foi sua escolha em forma de perdão. Amar assim dói, mas se constitui em um amor Profético. Após sua morte Brand, um dos ex-carcereiros, que a princípio o odiava, foi uma das pessoas que mais lamentou a sua morte, considerando uma perda para o mundo.
O evangelho desmascara nossa preguiça para o amor, reduzindo-o ao sentimentalismo barato. “Amando” e demonstrando afeição somente por aqueles que dizem nos amar, mas que generosidade essa? Jesus recorda que também possuímos uma dimensão transcendental, que podemos ir além de nossas escolhas e relações.
O evangelho nos convida a gratuidade, mas também a tratar o outro como gostaríamos de ser tratados. Isso requer um mínimo de autoconhecimento, saber reconhecer os limites, fortalezas e potenciais, para perceber que o outro também tem seus altos e baixos, suas carências e dons.
Sei que esta realidade se apresenta desafiadora em um tempo marcado pelo individualismo, onde o foco transitou do nós para realização do eu. Sempre é válido a reflexão: quem sou eu para julgar? O gesto de semear amor sempre será a garantia de um Jardim florido na existência de nossa temporalidade.
Um fecundo final de semana.
Com carinho July Lima