A quaresma é uma das belas etapas litúrgica que propicia de modo especial um regresso ao interior, um encontro conosco mesmo, não de forma egocêntrica e individualista, mas de abertura para Deus, para a vida e para o outro. Todo o trajeto é iluminado pelas Sagradas Escrituras, que contém Palavra de Deus e diferentes experiências do Sagrado. O processo é um caminho de maturação, onde nos encontramos com nossos próprios limites, fragilidades e toda a potencialidade que temos para a vida. Entretanto, para que isto ocorra, precisamos de ousadia, de silêncio, recolhimento para escutar os clamores interiores, venham eles do corpo, do pensar, das emoções, da história pessoal, entre outros.
O caminho não é fácil, dado que, precisamos superar as tentações que nos chegam de diversas formas (1º domingo); para superar os obstáculos, é preciso deixar-se guiar pela força divina que nos é revelada e que ao mesmo tempo nos tira de nosso comodismo (2º domingo); no caminho é necessário rever a nossa capacidade de frutificar o dom de Deus e arrancar o que não é vida (3º domingo); para novamente retomar o caminho de comunhão com o Pai, quando já somos capazes de ver-nos tal como somos, sem medo de confiar-lhe nossa existência (4º domingo); porém, é sempre bom recordar que nunca estamos prontos, mas sujeitos a novas quedas e tropeços, o que nos permite reconhecer também a fragilidade do outro em sua inteireza, sem nos deixar arrastar pelo impulso do julgar e condenar (5º domingo). Só assim seremos capazes de fazer a passagem da morte para vida, de uma existência superficial, ativista, digital, para uma existência rumo à maturidade, a compaixão e a liberdade.
A Igreja propõe este período como um itinerário espiritual, recomendado que seja uma constante em nossas vidas, visto que a todo instante estamos nos construindo e nos relacionando. A igreja do Brasil ciente de que somos seres de relação, também propõe um itinerário de conversão social, de acordo com as principais demandas e clamores de seu povo através da Campanha da Fraternidade, que este ano tem como tema as políticas públicas, na busca de uma sociedade mais justa, que beneficie todas as classes sem preponderância de uma sobre a outra, pois sabe da importância que existe entre o autêntico amor a Deus e o cuidado a vida como um todo. No pensamento de Emmanuel Lévinas, seria responsabilidade pelo outro, um cuidado que não é imposto, mas que parte da nossa consciência de que também somos esse outro.
Estamos celebrando o 2º domingo do itinerário quaresmal. Tendo passado por um dos grandes desafios de sua vida em relação ao projeto do Pai, encontramos Jesus como plenitude de Deus: Evangelho Segundo Lucas 9, 28-36. De acordo com a narrativa, já não era mais necessário seguir o rigorismo da Lei mosaica, pois em Jesus se resumiram a Lei e a profecia (representação de Moisés e Elias). Historicamente este fato acarretou na sua crucificação e morte em Jerusalém (cúpula do poder religioso e político de Israel).
Os discípulos que compunham a cena (Pedro, Tiago e João), até então não eram capazes de compreender a profundidade da missão de Jesus, por isso dormiram (sinal de resistência e imaturidade), o que não lhes permitiu ver com objetividade o quê ocorria diante de seus olhos. Permaneciam fechados no meio da confusão e comodismo de um criado a sua Deus a sua imagem, a quem se pode aprisionar em tendas, templos e santuários. Jesus lhes ensinou que a revelação de Deus ocorre no chão da vida, na história humana. No entanto, é preciso estar atento para ouvir a voz do mestre, tal como o Pai nos pediu: "este é meu Filho amado, escutai sempre o ele diz"! Seguir ou não esta voz é uma escolha pessoal, que vai muito além da observação de preceitos religiosos ou da adesão a algum grupo religioso. É uma escolha por viver o bem e com caráter, com transparência, sem fazer do outro objeto de interesses pessoais, econômicos e sexuais. É ser honesto quando se tem oportunidade de não ser; é se desarmar a cada instante de moralismos e preconceitos para que a vida sobressaia...
Viver como um autêntico Cristão é dureza, não é para super homens ou super mulheres, mas para pessoas do cotidiano que tem a ousadia descer ao chão de sua humanidade e empreender um caminho de fé a luz do ressuscitado.
Grande beijo para todos e um lindo final de semana!
July Lima
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