Na sexta-feira santa, fazemos memória da paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, um evento horrendo que devemos compreender por duas vias: consequência histórica e entrega amorosa.
A morte de cruz sofrida por Jesus é consequência histórica, por causa de sua rejeição por parte das lideranças judaicas, mas também por motivos políticos, pois Jesus era uma ameaça que abalava as estruturas políticas e religiosas de seu tempo, pois suas ações eram libertadoras e conscientizadoras no meio do povo. Mas a morte Jesus também é sinônimo de amor e de entrega do Pai do por meio do Filho na ação do Espirito.
Jesus encarnado na historia e em uma determinada, abraça todas as consequências de seus atos e se entrega por amor a humanidade: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1b). No entanto, não podemos celebrar estes fatos isoladamente, é preciso contemplar o Senhor em sua entrega, serviço, amor, mas também em sua fragilidade para poder atualizar os crucificados do mundo de hoje. Por isso proponho uma via crucis diferente, que contempla a dor de tantos homens e mulheres que arrastam suas cruzes sem serem notados. O importante como seguidores de Jesus, é nos perguntar o que Ele faria em nosso lugar diante de tantas situações de morte, só assim poderemos atualizar o Evangelho e permitir que ele seja luz em nossa existência. Vamos fazer o caminho, da via crucis segundo nossa atual realidade, sem medo ou máscaras, pois o Deus que creio é o Deus da vida que me interpela e capacita, na certeza de que Ele como o “Cirineu” nos ajuda a carregar nossas cruzes e a denunciar sistemas de morte.
Na 1º estação lhes convido a orar por tantos desempregados,
homens e mulheres que saem todos os dias em busca de trabalho para sustento de seu lar. Sem café na barriga, a esperança se esfria diante de mais uma porta que se fecha diante de si, outra vez é obrigado a ouvir: o quadro está completo, você não está capacitado para esta vaga.... Não desista irmão, você vale muito! No entanto, o desemprego chega sem pedir licença. Enquanto isso as preocupações sobem a cabeça, o aluguel está atrasado e as contas vencendo. O que fazer? O sono desaparece, a pressão aumenta... vivendo deste modo qualquer coisa se aceita para honrar uma família.
Na manhã seguinte volta a se agarrar com todas as forças na fé e esperança que tem, pois, a vida segue a diante e não pergunta pelos feridos. Sejamos sensíveis e fraternos.
Na 2º estação lhes convido queridos irmãos a orar por todos os idosos abandonados.
Os dados estatísticos comprovam que a população está envelhecendo, enquanto que o índice de natalidade diminui. Pensemos em tantos idosos desamparados, esquecidos pelos seus familiares, deixados à própria sorte. Idosos que se sentem frustrados por não poder produzir mais e fazer as mesmas coisas como antes. Pessoas famintas por carinho cheios de medo e com a firme esperança de que um dia os seus virão por eles.
Na 3º estação oremos por todas as mulheres que sofrem violência física e moral, especialmente as que são maltratadas por seus companheiros.
Infelizmente o Brasil está entre um dos países que tem maior índice de violência contra a mulher. Esta violência se torna mais evidente quando a pessoa amada se torna uma ameaça.
Quantas mulheres relatam que em mais uma noite o companheiro chegou alcoolizado, violento, quebrando tudo o que via pela frente, além de obriga-la a ter relação sexual com o ele. Que prazer ou alegria terá esta mulher? Este tipo de violência está aumentando gradativamente.
Na 4º estação lhes convido a orar pelos nossos irmãos homossexuais
que sofrem violentamente por causa de tanto preconceito, por causa de pessoas covardes que não suportam a diversidade e estão fechadas em seu fundamentalismo.
As pessoas não entendem que os homossexuais nascem com uma orientação sexual diferente e sofrem por esta diferença. Muitos são rejeitados pela própria família e amigos, são endemonizados pelas religiões e abusados pela sociedade, que vê a carne e mata o ser. Alguém escolheria está vida? Eles e elas merecem nosso respeito, pois são igualmente filhos e filhas de Deus e no fim, Deus não vai querer saber eles ou elas dormiram ou deixaram de dormir, afinal de contas, Jesus veio para que todos tenham vida.
Na 5º estação oremos pelos irmãos e irmãs afrodescendentes
que são a maioria no país, no entanto o índice de violência contra a pessoa negra, é escandalizador. O índice contra a mulher negra é quase o dobro sofrido pela mulher branca. Somos todos iguais em direitos e dignidade. Deus ao criar, viu que tudo era bom, por que insistimos no contrário? Nós os rebaixamos ao longo da história e o fizemos escravos, deveríamos ter vergonha de nós mesmos em repetir tais gestos excludentes. Chega de violência e discriminação!
Na 6º lhes convido a orar pela dor da criação que a cada dia está mais devastada e explorada.
Estamos destruindo por ganancia e preguiça ou falta de amor a nossa casa comum. Já existem lugares que não chovem mais e a terra com seus habitantes agoniza. Existem lugares em pleno desequilíbrio: calor ou fio excessivo. As geleiras polares estão desaparecendo, assim como o verde das montanhas e as flores do campo. A água que é fonte vida, se faz escassa cada vez mais. A criação não precisa de nós para existir, mas nós sim! Oremos para que recuperemos o sentido e a comunhão com a criação, pois somos parte de tudo e não donos.
Na 7º estação lhes convido a orar por nossos irmãos pertencentes aos povos originários, que lutam sem cessar por seus direitos a terra e identidade cultural.
Muitos de nós em nossa ancestralidade temos a mistura do sangue indígena. Eles merecem nosso respeito e nossa admiração, pois são os mestres da comunhão com a criação. Infelizmente ainda hoje, sangue indígena é derramado ou até mesmo daqueles que se somam as suas lutas, tais como Chico Mendes, Ir. Adelaide, Ir. Dorothy, Ir. Cleusa e Pe. Amaro, amigo de irmã Dorothy que assumiu sua causa junto aos camponeses e indígenas do Pará, está sendo perseguido pelos latifundiários e nesta semana foi preso injustamente.
Na 8º estação, os conduzo ao coração das famílias dilaceradas pela violência, pois tal como o sangue de Cristo, o sangue de muitos inocentes continua sendo derramado no solo da humanidade.
Falta educação e políticas públicas que garanta ao povo uma vida digna. A violência não precisa ser uma alternativa de sobrevivência, pois ela é fruto da destruição do amor, do respeito pela vida. É a destruição da esperança em um amanhã possível e da fé na vida. Assassinos e vítimas são vítimas e produtos de um sistema injusto. O ciclo só aumenta e atinge cada vez mais as famílias. Todos sofrem e são atingidos, independente do lado em que estejam. Somos vítimas e promotores de violência dentro e fora de casa. A violência tem muitas faces e níveis. A omissão também gera violência e morte.
Na 9º estação, oremos respeitosamente pelos irmãos que se desviaram do caminho da luz e se tornaram servidores das trevas e da morte.
Não julguemos, por detrás sempre existe uma história de dor e violência. Precisamos ser testemunhas do amor, da superação, da esperança, mesmo passando pela dor. Sem saber, as pessoas escondem suas feridas por detrás de mascaras, as mais comuns são as do orgulho, soberba e até violência. Que não percamos a fé no ser humano por piores que sejam suas atitudes, pois, a violência gera violência e amor, amor. Olhemos os criminosos como pessoas que precisam ser humanizadas. Nosso Senhor foi defensor dos últimos em uma práxis inclusiva. Não demos um ponto final, mas uma virgula, para que estas pessoas possam seguir escrevendo suas histórias.
Na 10º estação lhes convido a mergulhar na dor e silencio de tantos irmãos que sofrem o trafico humano e são assassinados, escravizados e explorados sexualmente.
Os dados são vergonhosos de pessoas desaparecidas. O tráfico de pessoas é um crime antigo que perpassa a história da humanidade, porém também muito silencioso. Este crime fere gravemente o coração da humanidade, onde pessoas são sequestradas e vendidas como escravos, como objetos sexual e até mesmo pela carnificina, no roubo de órgãos para serem vendidos. Em que mundo estamos? O tráfico ocorre muitas vezes por meio de propagandas enganosas de oportunidades de emprego. Estas pessoas se tornam posses de outras em um sistema extremamente organizado, onde a pessoa fica totalmente vulnerável. O pior meus irmãos, que estas pessoas não são lembradas socialmente, pois pouca gente tem consciência do tráfico de pessoas. Oremos por elas, que estão nos porões da vida, completamente humilhados e reduzidos a nada. Existe muito choro, desespero e vozes abafadas pela violência.
Na 11º estação lhes conduzo as nossas ruas para contemplar o número crescente de moradores de rua.
Como podemos ver, eles são resultado de um sistema injusto que favorece os empresários e oprime os pequenos. Com a crise do país, ruas se tornaram abrigos de famílias inteiras. O pior, é que estas pessoas se tornam invisíveis diante de nossos olhos e do sistema capitalista. A rua só oferece degradação humana e humilhação. Como falar de comunhão, eucaristia enquanto muitos não têm o básico para sobreviver. Falar de pão é fácil, o difícil é ser pão e presença eucarística para o outro. Outros Beléns se repetem, onde Jesus é rejeitado e não tem abrigo. Resta a cruz da segregação, da fome e da miséria.
Na 12º estação oremos meus caros irmãos por nossos líderes religiosos e políticos.
Que a religião não seja o ópio do povo e a política não seja um cabresto. Peçamos ao Deus da vida sabedoria para estes homens e mulheres para que se deixem conduzir pela sabedoria e pelos valores do Reino, reconhecendo-se como servidores da vida. Que o dinheiro seja um meio para o desenvolvimento e sustentabilidade da humanidade. Despertai Senhor em nossos lideres o senso de responsabilidade em favor da vida e não das estruturas. Que o progresso seja sinônimo da paz e da fraternidade. Que não alimentemos "Pilatos" que lavam as mãos diante do sofrimento do povo inocente.
Na 13º estação lhes convido a olhar amorosamente para nossas crianças e jovens.
As crianças cada vez mais são marginalizadas de sua infância, perdendo o direito de ser criança, segundo seu processo cognitivo. Elas estão sendo erotizadas e expostas a muitas informações. Falta referência de autoridade, de pai e mãe, de respeito e amor. Cresce assustadoramente o estresse e depressão entre o público infanto/juvenil, porque estamos na era do tudo pode, onde tudo é coisificado. As crianças clamam por amor, colo e chamego dos pais.
Os jovens, presente e futuro da humanidade tem sua maioria no mundo do crime ou em cadeias e sistemas de reformatórios, outros infelizmente estão se suicidando, pois não encontram um sentido de sentido de vida. Precisamos testemunhar a beleza da vida e seu valor. Nem tudo é erotização, libertinagem ou lucro material, eles precisam de amor, de limites, de pais presentes e de testemunho. Muitos pais cobram nota e responsabilidade, mas não motivam seus filhos com carinho e presença.
Na 14º estação lhes convido a orar pela paz religiosa, pois cremos em um mesmo Deus, porem com linguagens diferentes conforme a experiência de cada povo.
Precisamos e podemos dá testemunho deste Deus, com respeito e tolerância religiosa e cultural, afinal de contas, as religiões são meios e não fim para se chegar a Deus. Ninguém é dono total da verdade, o que professamos é um mistério de fé visto de vários ângulos. E atenção: quando as estruturas sobressaem, algo anda mal, pois o papel da religião é ser farol e não juiz de ninguém.
A 15º são nossas ações transfiguradas no dia a dia, segundo os clamores de nossa realidade. O mundo precisa de atitudes de ressuscitados. Feliz páscoa!
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