sábado, 31 de março de 2018

“O Vivente suscitou de um modo novo a fé e o amor, Ele se oferece aos seus e os faz viventes de uma nova vida ” (Bruno Forte).


Vigília pascal 


   Uma noite onde simbolicamente passamos das trevas para a luz, onde celebramos a vitória de Cristo sobre a morte. Uma celebração profunda, mistagógica, que nos introduz no mistério salvífico. Com o canto do pregão pascal, temos a proclamação da pascoa, que faz um repasse poético por toda a história da salvação: do pecado a vida nova em Cristo. 

   As leituras seguirão a mesma dinâmica, mostrando a fidelidade de Deus com sua criação, por isso caminhamos de gênesis, onde Deus tudo cria por amor (Gn 1, 1-2,2), passamos pela aliança que ele sela com Abraão, com a promessa de benção, descendência e terra (Gn 22,1-2.9-15,18). Com a leitura do êxodo 14, 15-15,1, vemos que Deus sai em socorro de seu povo, por meio de Moisés. Este será o credo central dos judeus, fazer memória do Deus que os libertou do Egito e os conduziu a terra prometida. As demais leituras de Is 54,5-74, Is 55,1-11, Br 3,9-15.32-38; 4,1-4, Ez 36, 16-17ª.18-28 podem ser omitidas, segundo os critérios e realidade de cada comunidade, pois são leituras complementarias, reafirmando a promessa e presença de Deus no meio de seu povo.

   As demais leituras são do Novo Testamento: Rm 6, 3-11, uma leitura bastante apropriada para os catecúmenos que antes eram batizados nesta data, lembrando a todos que o batismo é um morrer e nasce com Cristo para uma vida nova. Temos também a leitura do evangelho de Marcos 16, 1-7, onde Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé saem para ungir o corpo do Senhor, mas ao chegar no sepulcro compreendem que seu Senhor não habita entre os mortos, mas entre os vivos. Novamente o convite é para sair, ir a “outra margem”, voltar a Galileia, onde tudo começou, onde seus corações bateram mais forte com a presença e ação de Jesus. Toda a comunidade é convocada a dar continuidade a sua pratica, impulsada pela sua presença vivificadora, ressuscitada. Uma presença experimentada na ausência. A ressurreição de Jesus é um mistério histórico, mas um dom de Deus para os seus, e resultado de sua ação poderosa, que nos permite compreender toda a vida de Jesus 

   Reparem que Jesus não se manifesta em uma presença triunfalista, no entanto, vemos que mesmo tendo passado pela morte e ressurreição, segue o caminho da simplicidade que se abre para uma experiência pessoal e comunitária e não uma experiência imposta ou ameaçadora. É curioso ver que ele não se manifesta aos doze, mas as mulheres que se mantiveram fiéis até o fim. Ele transfere às mulheres o privilégio da descoberta do poder da ressurreição. Sob o testemunho delas é que eles são desafiados a ir ao encontro do Mestre na Galileia. 

Que nos deixemos encontrar pelo Senhor ressuscitado, pois ele constantemente sai ao nosso encontro, nos oferecendo uma vida nova, transfigurada. 



Oração final:

Nosso Deus e nosso Pai que ressuscitaste Jesus dentre os mortos, Ele tendo ressuscitado ofereceu a paz: “a paz esteja convosco”. Concedei-nos o dom da Paz. Defendei-nos do mal e de todas as formas de violência. Que tenhamos vida digna, humana e fraterna.
Ó Jesus que morreste e ressuscitaste por amor, afasta de nossas famílias e de nossa sociedade todas as formas de desesperança e desanimo, para que vivamos dignamente e sejamos portadores da tua paz. Que o teu Espírito nos conduza pelo caminho da verdade e da justiça.
Afonso Murad

sexta-feira, 30 de março de 2018

Via de dor de tantos homens e mulheres



   Na sexta-feira santa, fazemos memória da paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, um evento horrendo que devemos compreender por duas vias: consequência histórica e entrega amorosa. 

   A morte de cruz sofrida por Jesus é consequência histórica, por causa de sua rejeição por parte das lideranças judaicas, mas também por motivos políticos, pois Jesus era uma ameaça que abalava as estruturas políticas e religiosas de seu tempo, pois suas ações eram libertadoras e conscientizadoras no meio do povo. Mas a morte Jesus também é sinônimo de amor e de entrega do Pai do por meio do Filho na ação do Espirito. 

   Jesus encarnado na historia e em uma determinada, abraça todas as consequências de seus atos e se entrega por amor a humanidade: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1b). No entanto, não podemos celebrar estes fatos isoladamente, é preciso contemplar o Senhor em sua entrega, serviço, amor, mas também em sua fragilidade para poder atualizar os crucificados do mundo de hoje. Por isso proponho uma via crucis diferente, que contempla a dor de tantos homens e mulheres que arrastam suas cruzes sem serem notados. O importante como seguidores de Jesus, é nos perguntar o que Ele faria em nosso lugar diante de tantas situações de morte, só assim poderemos atualizar o Evangelho e permitir que ele seja luz em nossa existência. Vamos fazer o caminho, da via crucis segundo nossa atual realidade, sem medo ou máscaras, pois o Deus que creio é o Deus da vida que me interpela e capacita, na certeza de que Ele como o “Cirineu” nos ajuda a carregar nossas cruzes e a denunciar sistemas de morte. 

   Na 1º estação lhes convido a orar por tantos desempregados, 

homens e mulheres que saem todos os dias em busca de trabalho para sustento de seu lar. Sem café na barriga, a esperança se esfria diante de mais uma porta que se fecha diante de si, outra vez é obrigado a ouvir: o quadro está completo, você não está capacitado para esta vaga.... Não desista irmão, você vale muito! No  entanto, o desemprego chega sem pedir licença. Enquanto isso as preocupações sobem a cabeça, o aluguel está atrasado e as contas vencendo. O que fazer? O sono desaparece, a pressão aumenta... vivendo deste modo qualquer coisa se aceita para honrar uma família. 
    Na manhã seguinte volta a se agarrar com todas as forças na fé e esperança que tem, pois, a vida segue a diante e não pergunta pelos feridos. Sejamos sensíveis e fraternos. 

Na 2º estação lhes convido queridos irmãos a orar por todos os idosos abandonados.

Os dados estatísticos comprovam que a população está envelhecendo, enquanto que o índice de natalidade diminui. Pensemos em tantos idosos desamparados, esquecidos pelos seus familiares, deixados à própria sorte. Idosos que se sentem frustrados por não poder produzir mais e fazer as mesmas coisas como antes. Pessoas famintas por carinho cheios de medo e com a firme esperança de que um dia os seus virão por eles. 

Na 3º estação oremos por todas as mulheres que sofrem violência física e moral, especialmente as que são maltratadas por seus companheiros.

Infelizmente o Brasil está entre um dos países que tem maior índice de violência contra a mulher. Esta violência se torna mais evidente quando a pessoa amada se torna uma ameaça. 

   Quantas mulheres relatam que em mais uma noite o companheiro chegou alcoolizado, violento, quebrando tudo o que via pela frente, além de obriga-la a ter relação sexual com o ele. Que prazer ou alegria terá esta mulher? Este tipo de violência está aumentando gradativamente. 

Na 4º estação lhes convido a orar pelos nossos irmãos homossexuais


que sofrem violentamente por causa de tanto preconceito, por causa de pessoas covardes que não suportam a diversidade e estão fechadas em seu fundamentalismo. 

   As pessoas não entendem que os homossexuais nascem com uma orientação sexual diferente e sofrem por esta diferença. Muitos são rejeitados pela própria família e amigos, são endemonizados pelas religiões e abusados pela sociedade, que vê a carne e mata o ser. Alguém escolheria está vida? Eles e elas merecem nosso respeito, pois são igualmente filhos e filhas de Deus e no fim, Deus não vai querer saber eles ou elas dormiram ou deixaram de dormir, afinal de contas, Jesus veio para que todos tenham vida. 

Na 5º estação oremos pelos irmãos e irmãs afrodescendentes


que são a maioria no país, no entanto o índice de violência contra a pessoa negra, é escandalizador. O índice contra a mulher negra é quase o dobro sofrido pela mulher branca. Somos todos iguais em direitos e dignidade. Deus ao criar, viu que tudo era bom, por que insistimos no contrário? Nós os rebaixamos ao longo da história e o fizemos escravos, deveríamos ter vergonha de nós mesmos em repetir tais gestos excludentes. Chega de violência e discriminação! 

Na 6º lhes convido a orar pela dor da criação que a cada dia está mais devastada e explorada. 

Estamos destruindo por ganancia e preguiça ou falta de amor a nossa casa comum. Já existem lugares que não chovem mais e a terra com seus habitantes agoniza. Existem lugares em pleno desequilíbrio: calor ou fio excessivo. As geleiras polares estão desaparecendo, assim como o verde das montanhas e as flores do campo. A água que é fonte vida, se faz escassa cada vez mais. A criação não precisa de nós para existir, mas nós sim! Oremos para que recuperemos o sentido e a comunhão com a criação, pois somos parte de tudo e não donos. 

Na 7º estação lhes convido a orar por nossos irmãos pertencentes aos povos originários, que lutam sem cessar por seus direitos a terra e identidade cultural.

   Muitos de nós em nossa ancestralidade temos a mistura do sangue indígena. Eles merecem nosso respeito e nossa admiração, pois são os mestres da comunhão com a criação. Infelizmente ainda hoje, sangue indígena é derramado ou até mesmo daqueles que se somam as suas lutas, tais como Chico Mendes, Ir. Adelaide, Ir. Dorothy, Ir. Cleusa e Pe. Amaro, amigo de irmã Dorothy que assumiu sua causa junto aos camponeses e indígenas do Pará, está sendo perseguido pelos latifundiários e nesta semana foi preso injustamente. 

Na 8º estação, os conduzo ao coração das famílias dilaceradas pela violência, pois tal como o sangue de Cristo, o sangue de muitos inocentes continua sendo derramado no solo da humanidade. 

Falta educação e políticas públicas que garanta ao povo uma vida digna. A violência não precisa ser uma alternativa de sobrevivência, pois ela é fruto da destruição do amor, do respeito pela vida. É a destruição da esperança em um amanhã possível e da fé na vida. Assassinos e vítimas são vítimas e produtos de um sistema injusto. O ciclo só aumenta e atinge cada vez mais as famílias. Todos sofrem e são atingidos, independente do lado em que estejam. Somos vítimas e promotores de violência dentro e fora de casa. A violência tem muitas faces e níveis. A omissão também gera violência e morte. 

Na 9º estação, oremos respeitosamente pelos irmãos que se desviaram do caminho da luz e se tornaram servidores das trevas e da morte. 

Não julguemos, por detrás sempre existe uma história de dor e  violência. Precisamos ser testemunhas do amor, da superação, da esperança, mesmo passando pela dor. Sem saber, as pessoas escondem suas feridas por detrás de mascaras, as mais comuns são as do orgulho, soberba e até violência. Que não percamos a fé no ser humano por piores que sejam suas atitudes, pois, a violência gera violência e amor, amor. Olhemos os criminosos como pessoas que precisam ser humanizadas. Nosso Senhor foi defensor dos últimos em uma práxis inclusiva. Não demos um ponto final, mas uma virgula, para que estas pessoas possam seguir escrevendo suas histórias. 

Na 10º estação lhes convido a mergulhar na dor e silencio de tantos irmãos que sofrem o trafico humano e são assassinados, escravizados e explorados sexualmente. 

Os dados são vergonhosos de pessoas desaparecidas. O tráfico de pessoas é um crime antigo que perpassa a história da humanidade, porém também muito silencioso. Este crime fere gravemente o coração da humanidade, onde pessoas são sequestradas e vendidas como escravos, como objetos sexual e até mesmo pela carnificina, no roubo de órgãos para serem vendidos. Em que mundo estamos? O tráfico ocorre muitas vezes por meio de propagandas enganosas de oportunidades de emprego. Estas pessoas se tornam posses de outras em um sistema extremamente organizado, onde a pessoa fica totalmente vulnerável. O pior meus irmãos, que estas pessoas não são lembradas socialmente, pois pouca gente tem consciência do tráfico de pessoas. Oremos por elas, que estão nos porões da vida, completamente humilhados e reduzidos a nada. Existe muito choro, desespero e vozes abafadas pela violência. 

Na 11º estação lhes conduzo as nossas ruas para contemplar o número crescente de moradores de rua. 


Como podemos ver, eles são resultado de um sistema injusto que favorece os empresários e oprime os pequenos. Com a crise do país, ruas se tornaram abrigos de famílias inteiras. O pior, é que estas pessoas se tornam invisíveis diante de nossos olhos e do sistema capitalista. A rua só oferece degradação humana e humilhação. Como falar de comunhão, eucaristia enquanto muitos não têm o básico para sobreviver. Falar de pão é fácil, o difícil é ser pão e presença eucarística para o outro. Outros Beléns se repetem, onde Jesus é rejeitado e não tem abrigo. Resta a cruz da segregação, da fome e da miséria.


Na 12º estação oremos meus caros irmãos por nossos líderes religiosos e políticos. 

Que a religião não seja o ópio do povo e a política não seja um cabresto. Peçamos ao Deus da vida sabedoria para estes homens e mulheres para que se deixem conduzir pela sabedoria e pelos valores do Reino, reconhecendo-se como servidores da vida. Que o dinheiro seja um meio para o desenvolvimento e sustentabilidade da humanidade. Despertai Senhor em nossos lideres o senso de responsabilidade em favor da vida e não das estruturas. Que o progresso seja sinônimo da paz e da fraternidade. Que não alimentemos "Pilatos" que lavam as mãos diante do sofrimento do povo inocente. 

Na 13º estação lhes convido a olhar amorosamente para nossas crianças e jovens. 

As crianças cada vez mais são marginalizadas de sua infância, perdendo o direito de ser criança, segundo seu processo cognitivo. Elas estão sendo erotizadas e expostas a muitas informações. Falta referência de autoridade, de pai e mãe, de respeito e amor. Cresce assustadoramente o estresse e depressão entre o público infanto/juvenil, porque estamos na era do tudo pode, onde tudo é coisificado. As crianças clamam por amor, colo e chamego dos pais
   Os jovens, presente e futuro da humanidade tem sua maioria no mundo do crime ou em cadeias e sistemas de reformatórios, outros infelizmente estão se suicidando, pois não encontram um sentido de sentido de vida. Precisamos testemunhar a beleza da vida e seu valor. Nem tudo é erotização, libertinagem ou lucro material, eles precisam de amor, de limites, de pais presentes e de testemunho. Muitos pais cobram nota e responsabilidade, mas não motivam seus filhos com carinho e presença. 

Na 14º estação lhes convido a orar pela paz religiosa, pois cremos em um mesmo Deus, porem com linguagens diferentes conforme a experiência de cada povo. 


Precisamos e podemos dá testemunho deste Deus, com respeito e tolerância religiosa e cultural, afinal de contas, as religiões são meios e não fim para se chegar a Deus. Ninguém é dono total da verdade, o que professamos é um mistério de fé visto de vários ângulos. E atenção: quando as estruturas sobressaem, algo anda mal, pois o papel da religião é ser farol e não juiz de ninguém. 

A 15º são nossas ações transfiguradas no dia a dia, segundo os clamores de nossa realidade. O mundo precisa de atitudes de ressuscitados. Feliz páscoa! 





Um único gesto salvífico: Jesus como “Pão “de vida se entrega, é pisado e se dá como alimento.




   Estamos celebrando o tríduo pascal: ultima ceia, paixão/morte e ressurreição de Jesus. Os três atos se resumem em uma entrega total de Deus por meio de Jesus na ação do Espírito Santo. No memorial da última ceia, vemos que Jesus dá o exemplo de entrega generosa, por meio do serviço e reconhecimento do outro como irmão, pois ele rompe com a hierarquia escravista, se coloca no lugar do servo, mostrando aos seus seguidores que Ele veio para servir e não para ser servido. 

    Na quinta-feira santa, também se celebra o sacramento da Ordem e a instituição da Eucaristia: “se o grão de trigo que cai na terra não morre fica só, mas se morre produz muito fruto” (Jo 12, 14). A vida de Jesus foi uma total entrega desde Belém ao Calvário, por isso iremos refletir o verdadeiro significado da Eucaristia, a partir da reflexão e contribuição de Dom Luciano de Almeida, bispo da diocese de Mariano. Ao mesmo tempo, ele nos interpela a ser presença eucarística. Tais reflexões são do ano de 2006, dentro do simpósio teológico no XV Congresso Eucarístico Nacional, em Florianópolis. 

    A Eucaristia é um dom de Deus para a Igreja, pois Jesus é o pão que se entrega e se oferece continuamente como alimento, não somente por meio hóstia consagrada, mas por toda a sua vida que foi um constantemente oferecimento de si mesmo. Nesta entrega Jesus nos convida a assimilar sua vida, seus gestos que são profundamente transformadores, tanto na vida pessoal, como na vida social, por isso Dom Luciano falará da Eucaristia e transformação da sociedade, pois a Eucaristia é vida transfigurada.

1. O amor como centro da revelação cristã 

    Na eucaristia acolhemos a manifestação do amor de Deus por meio da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus, o enviado do Pai na força do Espirito, derrama seu sangue na cruz por nós e revela o infinito amor de Deus pela humanidade. 

   Na celebração da eucaristia somos convocados a reconhecer que Deus nos ama, ama a cada pessoa e oferece a todos a salvação: “este é o cálice da nova aliança que será derramado por vós e por todos para a remissão dos pecados”. 

    O amor eterno da Trindade se faz visível pela doação de Jesus na cruz. É a certeza deste amor que perdoa nossos pecados e ilumina toda nossa vida 

2. Somos reconciliados pelo sangue de Cristo em um só corpo 

    A morte de cruz de Jesus foi uma consequência histórica pela rejeição que Ele sofreu, no entanto, ao derramar seu sangue por nós, Jesus sela e ratifica a nova e eterna aliança entre Deus e a humanidade. Por isso, quanto mais estivermos unidos a Cristo, estaremos unidos entre nós, pois somos irmãos e irmãs, filhos e filhas de Deus pela criação e paternidade de Deus, mas também porque fomos resgatados pelo mesmo sangue de Cristo. Ao oferecer-se como alimento, Jesus nos une a Ele e estreita entre nós os laços de fraternidade. 

   Cristo é o centro da comunidade eclesial. Nele todos se encontram, superando as diferenças e distancias de raça e cultura. Formamos pelo amor uma só família. 

3. Cristo nos dá sua vida e nos ensina a amar 

    Ao dizer quem bebe do meu sangue e come da minha carne, vive da vida oferecida por Jesus. Aqui Jesus nos introduz nos seus sentimentos, valores e critérios, não na eucaristia tal como a concebemos hoje, mas a assimilação de sua vida e entrega, pois deseja que nos tornemos seus discípulos e participemos de sua vida, sempre mais semelhante a Ele, capazes de um amor oblativo, gratuito e total. Ele nos convida a amar como Ele ama. Por isso, o primeiro fruto da comunhão com Cristo é o amor oblativo, que deverá ser norma de vida dos discípulos. “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,35). Para Jesus amar, é dar a vida por nós. 

    Entrar em comunhão com Cristo na eucaristia, é deixar-se possuir pelo seu dinamismo de amor e aprender dele a dar a vida pelos irmãos. A eucaristia se abre a força do amor, vencendo todo egoísmos, movendo-nos a buscar a bem material e espiritual do próximo. Por isso João Paulo II, intitulou um dos sínodos como: a eucaristia é a fonte e o ápice da vida e da missão da Igreja. 

4. Comunidade servidora do amor 

    Na última ceia, Jesus toma o jarro, se cinge como uma toalha e se põe a lavar os pés dos discípulos, possivelmente um gesto que escandalizou os discípulos, pois lavar os pés do seu senhor, era trabalho dos escravos, e Jesus como mestre e senhor lavar os pés dos seus seguidores, mostrando que Ele veio para servir e não para ser servido. Ser discípulo de Jesus é assumir o lema de cada dia a serviço gratuito dos irmãos, começando pelos mais necessitados. 


   Para Dom Luciano, a beleza do amor gratuito está em viver a generosidade e a alegria de Deus, que nos amou primeiro e quer nosso bem antes que possamos ama-lo e agradecer-lhe. Crer que os gestos gratuitos de amor não pesam, porque nascem da bondade do coração e traz alegria aos que sabem amar no mais profundo. No final da narrativa do lava pés Jesus acrescenta: “se assim o fizerdes sereis meus discípulos” . 

5. Predileção pelos últimos 

   Como um verdadeiro servo de Deus e pai dos mais pobres, Dom Luciano destaca o ponto cinco ao cuidado primordial aos mais pobres, pois são os mais necessitados dentre os nossos irmãos. Eucaristia quer dizer comunhão com Deus e com o outro. Como comungar e negar ao irmão o básico para sua subsistência? Isto não é comungar com o corpo de Cristo, mas com o sistema capitalista em que vivemos. O papa João Paulo II afirma que a predileção pelos últimos é a garantia do amor a todos, onde se manifesta a verdade e a pureza da gratuidade. 

6. A gratuidade do perdão 

   Aqui não se trata de perdoar somente aos que pedem perdão, mas se trata de viver o amor por primeiro, pois é este o amor-perdão que Jesus espera de nós ao oferecermos nossa oferta na eucaristia: “vá reconciliar-te com teu irmão e depois oferece tua oferta” (Mt 5, 23). A eucaristia e a fé em Cristo, requer de nós uma coerência de vida, só assim encontraremos as raízes mais profundas da convivência humana e da transformação de da sociedade. 

7. Os desafios da atual sociedade 

   Tanto hoje como na época de Dom Luciano, os desafios são inúmeros e variáveis. Quem já se dedicou a ler os documentos da Igreja de cunho social, verá que Dom Luciano, destaca os mesmos problemas que precisam de uma ação conjunta e imediata. 

   A primeira situação destacada é a questão da triste desigualdade que existe a nível social entre ricos e pobres, que leva uns a uma vida abundante e a outros a fome, a miséria e a morte precoce. A violência e a segregação também foram refletidas e questionadas, pois está dizimando cada vez mais a sociedade. O quarto ponto é bastante interessante, pois Dom Luciano fala da perda de sentido de tantos jovens, que chegam a tirar sua própria vida. Infelizmente este número cresce cada vez mais, deixando de ser impactante na vida humana.

   Dom Luciano destaca estas e outras problemáticas para mostrar que nossa sociedade precisa de uma ação transformadora que aponte para os verdadeiros valores e fundamente uma convivência na justiça e na concórdia. 

8. A força transformadora da Eucaristia 

   Dom Luciano parte do ato da encarnação de Jesus como aquele que veio em socorro da humanidade injusta e de morte. Com sua vida Jesus anuncia uma vida nova para todos, cuja a lei é o amor. Diante de uma humanidade ferida pelo ódio, pela injustiça, Jesus é resposta de amor, promulgado pela sua Palavra e testemunho de entrega por todos nós. 

   A eucaristia se apresenta assim como força renovadora da sociedade que vai nos ajudar pela vivencia do amor a enfrentar os desafios que minam e destroem a convivência humana. 

9. A superação da fome e da miséria 

   O que nos falta não são recursos, mas a reta distribuição destes recursos, isto não acontece porque falta a vivencia da fraternidade. A eucaristia é preparada por Jesus, pela multiplicação dos pães e peixes, mensagem transmitida aos discípulos que devem dar pão a quem tem fome: “dai-lhes vos mesmo de comer” (Lc 9,13). Este é um dever básico da fraternidade que se estende a todos sem distinção. 

   A eucaristia é a ação de Jesus nos alimentando, ensinando-nos a partilha e a responsabilidade de saciar os famintos. Por isso, desde o início os cristãos uniram a celebração da eucaristia com a partilha dos bens aos irmãos. Nós somos corresponsáveis pela fome e miséria de nossos irmãos e irmãs. Cada celebração da eucaristia deveria nos questionar diante de Deus e levar-nos a partir o pão com os irmãos. A eucaristia deve unir a comunidade a serviço dos mais pobres e habilitar os cristãos para contribuir para leis e medidas que garantam vida digna para todos: trabalho, salário justo e moradia. 

10. Eliminação do ódio, escola da paz 

   Pior do que a fome é o ódio que destrói o amor. Mesmo que nossa história esteja perpassada pela violência, devemos renunciar ao uso da violência e tornar-nos aprendizes do amor. 

   A eucaristia reafirma a entrega de Jesus para o perdão dos pecados. Jesus de modo livre, assumiu passar pela violência, fruto do ódio, e pediu ao Pai que perdoasse aos que o crucificavam. Pagou o mal com o bem, venceu o ódio pelo amor gratuito. O mundo não terá a paz se não descobri o caminho do perdão. A bondade desarma. 

   A eucaristia é compromisso de amor gratuito em relação aos que nos ofendem. Grande sabedoria de Dom Luciano, mas se ele soubesse de como muitos transformam a eucaristia em um instrumento de exclusão e não de amor, se entristeceria e se envergonharia, pois como pastor se questionaria que formação estão recebendo estes que se dizem cristãos. No entanto, somente quando a eucaristia penetrar no coração da humanidade, acabarão as guerras e violências. 

11. Aproximar os distantes e construir a solidariedade 

   A fome é uma realidade que mata. O ódio gera inúmeras formas de violências e os resultados são drásticos. A eucaristia é mensagem de comunhão fraterna não só enquanto nos ajuda a vencer os egoísmos e partilhar o pão, ela também elimina o rancor e a dinâmica da vingança. 

   Na celebração da eucaristia nos encontramos todos sem distinção, como filhos e filhas de Deus, portadores da mesma dignidade. A eucaristia em sua própria dinâmica nos compromete com a busca de comunhão e unidade. Jesus em sua oração pede que todos sejamos um (Jo 17, 25). Nasce daí a capacidade de respeito, apreço e a empatia de conviver aceitando as diferenças como riquezas no interior da fraternidade. 

    No entanto, aos cristãos está reservado a missão de testemunhar e construir, pelo perdão e pelo diálogo, a concórdia no seio da sociedade. 

12. Eucaristia: penhor da vida eterna e feliz 

   Na encíclica sobre a eucaristia: mane nobiscum, do papa João Paulo II, aponta para a dimensão da esperança que Cristo nos oferece na eucaristia. Somos todos peregrinos para a casa do Pai, sendo assim por que muitos irmãos insistem em excluir a outros da comunhão com a Igreja e da própria eucaristia? Somos todos peregrinos, caminhando na esperança que o mesmo Deus oferece e não detentores da verdade. Se faz mister manter os olhos fixos em Jesus e no horizonte do Reino. A eucaristia relembra e reafirma a alegria da vida plena e feliz. A eucaristia reaviva em nós a dimensão pascal e aponta para o céu. 

   A transformação da sociedade exige de nós a superação dos pseudovalores tidos como prioritários, e assumir o anuncio dos valores que realizam plenamente a pessoa e a sociedade: a justiça, o perdão, a reconciliação, a paz, a concórdia e a esperança da vida plena em Deus. 

13. O amor maior e universal 

   A novidade do cristianismo não é uma realidade fechada em si mesmo, mas aberta a toda a humanidade, pela qual Jesus ofereceu sua vida. 

   A eucaristia fortalece os discípulos para fazer o bem a todos. Na eucaristia a Igreja aprende oferecer sua própria vida com a vida de Jesus pela salvação do mundo. Sua tarefa em união com Cristo é rezar e interceder pelo mundo e pela redenção de toda a humanidade: os que creem em Deus, os que tem outras crenças, os que atentam pela própria vida, todos estão envolvidos pela prece da Igreja que na eucaristia se faz oferta: “por Cristo, com Cristo, em Cristo”. 

14. a alegria da missão 

   O serviço a vida que compete aos cristãos, consiste em partir o pão e lutar por condições dignas para todos. Devemos oferecer ao mundo o que temos de melhor: o conhecimento de Jesus Cristo e os valores do Reino. Todos têm o direito de saber que são amados e perdoados por Deus e o seu desejo de vida digna para todos. 

15. A força da comunhão com Cristo 

   Dom Luciano destaca várias pessoas que sustentadas pelo amor e a fé no ressuscitado foram capazes de dá sua vida pela causa do Reino: Pe. João Bosco, Ir. Cleusa, Ir. Dorothy, Dom Oscar Romero e tantos outros. Pessoas que testemunharam o amor e cuidado de Deus para com todos, através de gestos concretos e de anuncio e denuncia, pois a eucaristia se manifesta igualmente em tais gestos de amor e entrega. 

16. Outra sociedade é possível 

   Outro mundo e sociedade são possíveis desde que o amor gratuito seja a lei interior de nossa vida e sociedade. Na força da eucaristia é possível vencer o ódio com amor, a violência com a paz, a discórdia com a reconciliação e o desespero com a esperança. 

   O segredo da transformação da humanidade está na mudança das relações humanas. É na eucaristia que entramos em comunhão com o testemunho e a força de Cristo que nos alimenta e envia a amar a todos. 

17. Permanecer no mundo 

   Mesmo com suas limitações e fragilidades, a transformação do mundo se dá na historia com toda sua vicissitude. Na instituição da eucaristia, Jesus comunicou aos discípulos para permanecerem no mundo, sem ser do mundo (Jo 17, 15-16). Pediu ao Pai que não os tirasse do mundo, mas os preservasse do mal para levar adiante o plano divino e testemunhar o amor de infinito de Deus para com todos. 

18. A forma eucarística 

   O verdadeiro discípulo de Cristo é chamado a permanecer no mundo para viver a “forma eucarística”, ou seja, fazer o bem a todos e dar frutos de salvação, para ser luz, sal e fermento do mundo (Jo 15, 16 e Mt 5, 16). A Eucaristia deste modo é algo bem mais profundo, no entanto não vivemos a forma eucarística, mas sim a forma exclusivista, onde fazemos da eucaristia um prêmio para os que se consideram santos e puros, uma relação intimista longe distante da dinâmica eucarística. 

19. A paz diferente 

   O cristão, a luz da eucaristia não pede para ser liberado de suas atribulações, mas encontra força no amor, sem espera de milagres e prodígios. A eucaristia concede assim a paz diferente daquela que o mundo oferece. É a reconciliação com o projeto divino, transformando o mundo e a sociedade pelo amor. 

   Com vimos, a eucaristia é a proposta da presença continua de Deus no meio de seu povo, que foi reduzida a um milagre que leva ao comodismo, a preguiça espiritual. É preciso redescobrir o verdadeiro valor da eucaristia, capaz de mover a vida e iluminar a humanidade, só assim veremos novos céus e nova terra, um projeto para o presente e futuro da criação. 












sábado, 24 de março de 2018

A ultima semana de Jesus



    Estamos no contexto do famoso domingo de Ramos, abertura para a semana maior que compreende a centralidade da nossa fé: Paixão, Morte e Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. No entanto, estes eventos ganham seu pleno sentido quando olhamos para a vida de Jesus e contemplamos um ser humano/divino imerso no projeto de Deus, encarnado na vida, prefigurando a ressurreição, pois seus gestos e palavras testemunhavam uma vida transfigurada. 

    Somente compreendemos a morte horrenda de Jesus, quando nos deixamos questionar pelos seus gestos de ruptura com o sistema religioso e político de sua época. Sua morte dever ser avaliada e compreendida desde os âmbitos de uma entrega total e de uma consequência histórica. Mas alguém pode me perguntar, como assim? E dentro da minha concepção e experiência de fé, respondo: Jesus não foi enviado para morrer no nosso lugar, como muitos acreditam, mas veio ser doador de vida e de amor. Veio como o enviado do Pai, lembrar a seu povo qual é a função da verdadeira religião e o querer de Deus para cada ser humano e toda a criação. Ele jamais pensou em fundar religião “Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas, não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento...” (Mt 5,17). No entanto, sua maneira de ser, de se relacionar e suas críticas ao sistema de morte, despertaram nas autoridades religiosas incomodo, inveja e medo, pois Jesus representava ameaça de um sistema estabelecido, que era oportuno para muitos e excludente para a maioria da população. 

    A entrega doadora e generosa de Jesus, foi o querer do Pai, mas sua morte de cruz, foi o resultado final do desprezo que Ele sofreu. “O amor não foi amado”, declara lucidamente Santo Agostinho. É este Jesus que precisamos resgatar! O Jesus que é capaz de nos apaixonar, de aquecer o coração e nos dá um norte de vida. O Jesus vendido pelas religiões hoje, é uma farsa que desfralda todo o ser e projeto de Jesus. Um deus que ilude e não preenche o coração, mas escraviza e esvazia o bolso. 

    Novamente estamos na semana santa e o que vai mudar? Isto cada cristão deve descobrir olhando profundamente a realidade que o circunda, pois a ressurreição é uma experiência primeiramente pessoal e depois comunitária “porque cada um pode ter sua realização somente na comunidade e a comunidade somente através de cada um”. É preciso cada cristão resgatar a paixão, o vigor inicial da experiência de caminhar com Jesus e testemunhar sua ressurreição. O mundo espera de nós atitudes ressuscitadas, comprometidas e transformadoras. Todos reclamam da situação do país, mas nunca deixam o banquinho da passividade, esperando que a solução venha de fora. Isso não é ser cristão e tampouco corresponde aos ensinamentos de Jesus. 

   Neste domingo vamos contemplar um ser apaixonante, que encantou as multidões, mas que provocou a antipatia dos mandatários. Importa refletir de que lado estamos. Isso somente saberemos olhando sem medo para nós mesmos e nosso modo de nos relacionarmos com as coisas, as pessoas, a criação e as diferentes situações que ocorrem em nossa vida. 

    A dinâmica da celebração do domingo é um pouco diferente das demais, pois no lugar do ato penitencial, temos a benção da agua e a aspersão dos ramos. Em seguida, se dá a leitura do evangelho próprio para este domingo: Mc 11, 1-10, que relata a entrada majestosa de Jesus em Jerusalém, onde ele é acolhido calorosamente pela multidão que o reconhece como o messias esperado, aquele que vem em nome de Deus, restaurar o mundo: “hosana, bendito o que vem em nome do Senhor....”(Mc 11, 9b e ss). 

    Jesus entra montado em um jumentinho, animal forte, utilizado para os trabalhos mais pesado. Ao mesmo tempo, Jesus demonstra que não é um líder guerreiro, pois os soldados e oficiais utilizavam cavalos e todo um equipamento de montaria. No entanto, tal gesto de Jesus repercutiu diretamente na cúpula religiosa do templo e nas autoridades políticas que se reuniam em Jerusalém para celebrar a festa judaica da páscoa. 

   Por detrás dos eventos da semana santa e da narrativa correspondente ao domingo de ramos, encontramos algumas curiosidades que se contrapõem e fazem mais conflitiva a vida de Jesus e seu projeto. Estando no contexto da páscoa, subiam a Jerusalém pessoas de todas as partes, entre elas as autoridades políticas. Nestes dados, conto com as pesquisas e estudos do Pe. Anderson Geraldo Pinheiro Malta, pároco da Igreja Santa Efigênia. 

    No início da semana da Páscoa judaica, na primavera do ano 30, duas procissões entraram em Jerusalém: a procissão dos camponeses que cortejava Jesus e a outra um desfile imperial da corte de Pilatos (governador da Iduméia, da Judéia e da Samaria). A procissão de Jesus chegava do Leste, enquanto que Pilatos pelo Oeste. Poder e simplicidade se confrontam. “O cortejo de Jesus proclamava o Reino de Deus, o de Pilatos o poder do império. O desfile militar de Pilatos era uma demonstração do poder e da teologia imperial romana. Teologia segundo a qual o imperador, além de governante de Roma, era tido como o Filho de Deus” (John Dominic Crossan). 

    “A entrada de Jesus foi, portanto, um contra-cortejo combinado, que se contrapunha ao que estava acontecendo do outro lado da cidade. Personificava uma visão alternativa, o Reino de Deus. O cortejo de Pilatos personificava o poder, a glória e a violência do império que governava o mundo: o reino de César” (John D. Crossan no livro: a última semana de Jesus). 

   Como já vínhamos refletindo, em Jerusalém predominava um sistema de dominação que oprimia o povo em todos os âmbitos: social, político e religioso. Infelizmente “na maioria das sociedades pré-modernas que conhecemos, a religião era usada para legitimar o lugar dos ricos e poderosos na ordem social sobre a qual eles presidem” (John D. Crossan no livro: a última semana de Jesus). 

    Jesus se encarnou e viveu neste contexto, porém seu atuar foi de aposição a este sistema. É muito interessante tudo isso, pois a grande história da Igreja foi ao lado da monarquia, dos ricos, poderosos, o diferencial que seu discurso sempre visou os pobres. O problema desde sempre foi a prática. O importante é saber por onde seguimos e que caminho escolhemos trilhar. 

Aos seus fiéis hoje o Pe. Anderson questionava: 
  1. Por qual dos portões temos entrado? 
  2. O estilo das celebrações na maioria das Paróquias, se aproxima de qual dos cortejos? 
  3. As pompas, a exuberância da indumentária, a extravagância visual do poder da instituição, o rubricismo litúrgico, os holofotes nos membros do clero, fazem parte de qual dos cortejos? 




    Pouco adianta fazer o memorial da semana santa, se não vivemos seus ensinamentos, se não nos deixamos interpelar por estes eventos centrais de nossa fé. 

Terminada a procissão de ramos, se segue a liturgia da Palavra que prepara o cenário para o anuncio da paixão, vendo em Jesus o novo servo sofredor (Isaías 50, 1-4). O salmo 21/22 exclama desde já o que será posto na boca de Jesus por Marcos: “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? ” 

A 2º leitura da carta de Paulo aos Filipenses 2, 6-11, narra o rebaixamento de Deus, sua kenosis, quando Jesus sai do seio da trindade e seu limita ao tempo e espaço da vida humana. 

No evangelho de Marcos 15, 1-39 temos um dos relatos da paixão e morte de Jesus, que iremos refletir na sexta-feira santa. 

Feliz domingo deixando-nos tocar 
pela mística da Semana Santa! 






quinta-feira, 22 de março de 2018

"Peixes" que geram vida

Queridos amigos, este belo e profundo  artigo é do Ir. Anderson Barroso, da congregação dos Irmãos de São Gabriel, onde ele reflete a tradição do comer peixe na Semana Santa. Vale a pena ler.


    Com mais uma Semana Santa prestes a se iniciar, os mercados pesqueiros aguardam ansiosos o intenso aumento na venda de peixes. Isto é possível, em grande parte graças aos cristãos que ao longo dos séculos adquiriam o costume de, na ausência da carne, comer peixes como prática ligada ao jejum e abstinência próprios do tempo quaresmal e da Semana Santa. A prática já é tão costumeira que não paramos para pensar no sentido de comer peixe na Semana Santa, sobretudo na sexta-feira da Paixão.

    Na Palestina do tempo bíblico, a grande parte das famílias tiravam seu sustento da agricultura, ou seja, cultivavam a terra que tinham e criavam animais. A base da alimentação eram os grãos produzidos, o azeite, alguns legumes e frutas, em especial a uva (fonte para o vinho, bebida mais comum na época), o pão, carnes de animais de pequeno porte e aves (Cf. Gn 1, 29; Ex 23,16. 29,2; Nm 18,12, Dt 7,13). Estes agricultores e pastores faziam parte da “classe média”, pois possuíam, em sua grande maioria, pequenas quantidades de terra. A estes, importantes taxas eram impostas e parte da produção devia ser enviada aos seus dominadores e ao templo (Cf. Gn 41,34; Dt 14,28). Haviam também aqueles que cultivavam a terra dos reis e do templo e que em geral não tinham acesso a estes mesmos bens produzidos.

    Neste contexto, uma alternativa para os mais pobres na obtenção de alimento era a prática pesqueira, uma fonte que não requeria posse de terras e nem um investimento próprio. Numa região circundada por lagos e mares, os pobres estavam em maior número ao redor destes. Entretanto, nesta mesma cultura o mar é local do mal. Só peixes com escamas e barbatanas eram permitidos para consumo; todos os outros seres aquáticos eram proibidos e tidos como impuros. O mar, marcado pelo desconhecido era considerado baixo (infer) e por isto lugar da presença do mal, de feras e monstros que traziam a morte ao ser humano. Somente aqueles necessitados viviam então aí, perto do mar. Sendo judeus, tinham que se purificar a cada vez que tinham contato com todos estes seres do ambiente impuro.

    Assim, na cultura judaica se o cordeiro é a carne das festas mais importantes (Ex 12,21), da corte, do templo (Ex 29,22), o mais nobre a Deus elevado (o próprio Cristo receberá posteriormente o título de Cordeiro de Deus), o peixe é ao contrário a “carne dos pobres”, dos mais afastados na comunidade, dos mais simples (Jo 6,9 apresenta junto aos peixes os pães de cevada, também os dos mais pobres). Este símbolo ligado aos pobres, o peixe, em grego “Ichthus”, será tomado como símbolo do cristianismo antigo, em referência a Jesus Cristo, o Filho de Deus pela qual nos vem a Salvação. Sua prática dignificadora para com os mais pobres e afastados da comunidade é iluminada por este símbolo. Jesus fez-se alimento, alimento de vida, para aqueles que viviam “a margem”.

    Este costume alimentar de comer peixe ao invés de carne na Semana Santa não é, portanto, meramente simbólico, resultado de uma tradição sem sentido. Ele deveria nos implicar e abrir-nos para um aspecto muito mais profundo de nossa fé cristã. Ele aponta para uma comunidade que se importa com os que estão a margem da sociedade, nas periferias sociais e existenciais. Comer peixe neste tempo forte da experiência cristã deveria lembrar-nos que seguir a Cristo é estar em comunhão, é ser comunidade empática que se preocupa em trazer para o centro aqueles e aquelas que foram privados de sua condição filial, de gerar salvação para os que estão em condição de escravidão e no isolamento.

     Nesta Semana Santa, sobretudo no sudeste do país onde o peixe não é mais prato dos pobres, mas dos mais abastados, importados e em bonitos pratos, que possamos nos lembrar do sentido original proposto pela Igreja, a abstinência e o jejum, ou seja, uma alimentação simples e pobre. Esta alimentação deve ser vista não somente como ato individual ou familiar de piedade, mas em profunda comunhão com o martírio de Cristo: é para dar a vida pelos outros, nossos irmãos mais necessitados, que somos chamados a sermos cristãos. Que nossa Sexta-Feira Santa, cheia deste sentido misericordioso nos possa abrir o coração para sermos “novos cristos”, preocupados e doados pela vida em abundância de todos e todas.



quarta-feira, 21 de março de 2018

 Nesta linda reflexão Luís Equini nos faz refletir sobre as duas grandes "árvores" da história da salvação: a arvore do Edém e o da cruz de Cristo. Ele parte de um ponto de reflexão, mas existem leituras da mesma narrativa.
   En la historia de la humanidad hay dos árboles que marcaron diferencias, a saber: el árbol del Edén o del Paraíso Terrenal, y el Árbol de la Cruz de Cristo.

   Entre estos dos árboles hay algunas similitudes pero muchas diferencias bien marcadas: los dos nos dieron frutos, los dos tienen como compañía muy importante a una mujer, los dos árboles tienen repercusiones permanentes para la humanidad, pero esas repercusiones son las que detentan las diferencias en la influencia que tuvieron, y todavía tienen, esos árboles, en la humanidad.

    Mediante el fruto de un árbol, el hombre perdió su semejanza con Dios y con ello perdió todo lo que significaba esa semejanza; también mediante los frutos de otro Árbol, el hombre obtuvo la posibilidad de recuperar lo perdido, la semejanza con Dios en el amor y la santidad.

    El Amor, con mayúscula, y la Santidad, están íntimamente unidos y forman una sola esencia en Dios, que es Amor y Santidad personificados. El amor es lo que mueve a Dios a crear el hombre, infundiéndole, además de la vida tanto biológica como espiritual, junto con el sentimiento del amor, el ansia a la santidad, pues Dios, que lo creó a su imagen y semejanza, es Santo en plenitud y lo hizo participar, al hombre, además de su amor, también de su santidad, pero como no hay amor si no hay libertad, Dios también le regaló esa condición, la libertad de poder elegir según el propio criterio, condición de la que no goza ningún otro ser vivo, y por esa misma libertad es que el hombre, en un acto de soberbia, quiso ser como Dios, y no solo que no fue como Dios sino que además perdió la santidad que había recibido gratuitamente, y ahora para recuperarla debe afrontar sacrificios que no siempre está dispuesto a sobrellevar, por lo cual pierde la posibilidad de recuperar esa semejanza a Dios.

   Junto al árbol, en el Edén, una mujer fue el vínculo o medio por el cual el maligno intentó destruir el proyecto divino, y junto al segundo Árbol, el de la Cruz, una Mujer recibió el encargo de ser mediadora, y dadora de todas las gracias para la salvación del genero humano y así recomponer el proyecto creador de Dios.


     En el Edén, junto al árbol del fruto prohibido, una mujer se deja seducir por el demonio y pierde su libertad y la de su descendencia al hacerse esclava del demonio. Junto al Árbol de la Cruz, una mujer, que se hizo esclava de Dios con toda libertad, nos obtuvo la libertad de hijos de Dios, gracias a su Hijo.

     En el Edén, una mujer con poca visión de futuro, y mucha soberbia, se deja seducir por el maligno, y dejando de lado la Voluntad de Dios, que por otra parte busca nuestra felicidad, haciendo uso de esa libertad que el mismo Dios le dio, comió el fruto prohibido sin pensar en las consecuencias, las que podía inferir gracias a la ciencia infusa con que Dios la había equipado, y la peor de las consecuencias obtenidas por ese acto de soberbia, fue la muerte que entró al mundo, muerte biológica y muerte espiritual.
Junto al Árbol de la Cruz, hay una Mujer que nos ofrece el fruto que produjo ese Árbol, lo hace con humildad y sencillez, pero con la sabiduría que da esa misma humildad, sabiendo que las consecuencias serán por demás extraordinarias y sublimes, pues nos está ofreciendo el vencer al maligno con todas sus artimañas y engaños, para acceder a la vida eterna.

     Una mujer ofreció al hombre el fruto prohibido y trajo la muerte a la humanidad. Una Mujer nos ha sido dada, junto al Árbol de la Cruz, para que a su ves se ofreciera a sí misma, para llevarnos a la presencia de su Hijo, para nuestra salvación.


     Al pié del Árbol de la Cruz nos fue dada una Mujer, no solo como Madre y Mediadora nuestra ante el Redentor, sino también como guía para que por Ella pudiéramos llegar a la presencia de su Hijo y así gozar de la herencia que Él mismo nos ofrece compartir con nosotros.

    La primera mujer, al ser interpelada por el Creador no asume su responsabilidad en lo hecho, al perder la semejanza con Dios, y no atina a pedir perdón, y el hombre tampoco se arrepiente de su acción, dándole la responsabilidad a la mujer por hacerlo comer, por lo cual no podía haber reconciliación al no haber arrepentimiento.

    La Mujer del Árbol de la Cruz nos dice que busquemos su presencia sin temor, para que Ella nos presente al Señor en un acto conciliador, entre su Hijo en el Árbol de la Cruz y nosotros en este valle de lágrimas, y así recuperar aquello que Dios nos diera al momento de crearnos, el amor, la santidad y la libertad.

   El árbol de la Ciencia del bien y del mal era agradable a la vista y sus frutos se veían apetitosos, por eso la mujer los tomó y al comenzar a comerlos parecían dulces, pero a medida que los consumió fueron adquiriendo gusto a hiel, fueron tan amargos que hasta el día de hoy son insoportables.

    El Árbol de la Cruz es repulsivo a la vista, provoca sensación de horror por el sufrimiento que insinúa, no anima a que uno se acerque tan siquiera para probar su fruto, pero cuando se prueba, su gusto es tan agradable y delicioso que se hace irresistible, más todavía sabiendo que cada ves será más placentero.

    En el Edén, la mujer le dio a su compañero, para que probara, el fruto del árbol prohibido, haciéndole ver que era apetitoso, fue como decirle : “toma, hazme caso y come que es bueno” como insinuando que ella, la mujer, sabía lo que estaba haciendo, y así fue como los dos comieron porque les pareció que era bueno, pero al instante se dieron cuenta de su equivocación, pero sin arrepentimiento.


    La Mujer del Árbol de la Cruz, ya antes nos dijo : “hagan todo lo que Él les diga”, colocándose en segundo lugar, detrás de su Hijo, como diciendo que ella, la Mujer, no valía, pero llegado el momento de la Cruz, dijo: “aquí estoy, al lado de mi Hijo para acompañarlo en el dolor”, dando a conocer su verdadero temple.

    Una mujer en el Edén, ofreció al hombre aquello que les estaba prohibido, y con ello atrajo sobre el genero humano una herencia de males, no porque Dios nos quiera castigar a nosotros por la desobediencia y soberbia de los primeros seres humanos, sino como consecuencia de la negación de ese Dios que había dispuesto todo para nuestra felicidad, es como si un heredero de mucha fortuna dilapida todos sus bienes, entonces sus descendientes no tendrán nada de lo que el tuvo en un principio; la primera pareja humana despreció la paternidad divina y con ello la herencia que le corresponde a los hijos.

    Al pié del Árbol de la Cruz, nos fue dada una Mujer, no solo como Madre nuestra haciéndonos hermanos de su Hijo, sino también como Mediadora ante el Redentor y guía nuestra, para que pudiéramos llegar a la presencia de su Hijo, recuperando, así, nuestra filiación divina y gozar de la herencia que Él mismo nos ofrece compartir con nosotros.

    La mujer del Edén es despedida junto con su compañero por su acto de soberbia, y se le prohíbe volver al mismo, y para garantizar esto, Dios coloca a un querubín con espada de fuego custodiando la entrada.

    La Mujer del Árbol de la Cruz es la Puerta del Cielo (Ianua Celi), por Ella podremos llegar y entrar a la morada celestial.

     La mujer del Edén fue vencida por el Demonio, pero el Creador, por su gran amor, le promete que su descendencia dará una Mujer que aplastará la cabeza a la serpiente, esa Mujer es la que está al pié de la Cruz, y aunque no parezca, tiene el poder para hacer que aquellos que se le acercan y buscan su auxilio, puedan entrar a ese paraíso custodiado con espadas de fuego, al cual se puede acceder solamente con y por el fruto del Árbol de la Cruz, fruto que nos ofrece ella misma.

    La mujer del Edén tuvo la debilidad de dejarse vencer por el Demonio, y en esa debilidad había implícita la suficiente fuerza para desheredar a toda la humanidad de los bienes celestiales.

    La Mujer del Árbol de la Cruz fue débil ante la grandeza y la fuerza del amor de Dios, por eso se dejó seducir por su Señor y de esa debilidad brotó la fortaleza de la humildad que le dio la fuerza para enfrentar todas las dificultades que significó ser la Co-Redentora del genero humano, hasta llegar al pié de la Cruz de Cristo, y luego esperar con fe en las promesas que le hiciera el Ángel en nombre de Dios (“su reino no tendrá fin” Lc 1,32-33); la Resurrección, la Ascensión, la venida del Paráclito, y su misma Asunción fueron los regalos que marcaron hitos en la vida de esa Mujer extraordinaria, y que está a nuestra disposición para auxiliarnos en los momentos en que la invoquemos.

    Esa Mujer, la del Árbol de la Cruz, está allí por un motivo bien definido, participar junto a su Hijo Jesús, de la “segunda creación del hombre”, con una conciencia nueva y fortalecida por la Sangre de Aquel que, padeciendo en la Cruz, da origen a ese hombre nuevo del que habla S. Pablo, hombre nuevo en que se transforma todo aquel que acepta el fruto que brota de la Cruz, aún cuando ésta parezca repulsiva por los sufrimientos que ocasionó y por la sangre vertida en ella para la renovación de todo el mundo.

    Esa Mujer del Árbol de la Cruz es Maria, la Madre de Jesús, y Madre nuestra, la llena de gracia, que espera que sus hijos la busquen para tomarlos de la mano y conducirlos a la presencia de Dios Padre, para que reciban su parte de la herencia prometida a los hijos.
Equini Luis

1º Domingo da quaresma 2020