sexta-feira, 27 de abril de 2018

" Eu sou a Videira, vós os Ramos"


    Os cristãos separados de Cristo são como os Ramos desligados do tronco, mas os cristãos Unidos a ele são como frutos de uma árvore fecunda. Estamos celebrando Domingo da páscoa, onde Jesus reafirma o convite de ser um com Ele e o Pai por meio de uma íntima relação. Para explicitar esta União, o Evangelho de João, parte da simbologia da videira, algo de grande valor na cultura e fé de Israel.

    Aqueles que professam a fé em Jesus Cristo, são chamados a permanecer unidos a Ele, assumindo sua mesma vida e projeto. No entanto, existem cristãos que na prática do dia-a-dia, renegam ao seu Senhor por meio da exclusão, do sectarismo, da ganância, fofoca mentira, etc, que são frutos de morte e de não pertença a videira que é Jesus.

     Paramos para analisar a natureza e suas leis: para que uma planta ou uma árvore cresça e chegue a sua plenitude, ela precisa naturalmente ser podada. Os galhos que dela são podados já não lhe pertencem, pois deixaram de ser um com ela e se não arrancados a sufocarão, assim como toda a vida que ela pode gerar. O cristianismo abriga a muitos cristãos que são câncer para a nossa fé e a vivência cristã. Melhor se não o fossem! Esta mesma realidade ocorre em diferentes ambientes, de pessoas que se tornaram um câncer, um peso nas relações interpessoais, no trabalho, na comunidade... pessoas pessimistas fofoqueiras, murmuradoras, que em nada contribuem para melhorar o ambiente onde estão. Falta em muita gente sentido de pertença, de corresponsabilidade, de comunhão, de visão de futuro, de colegialidade, de trabalho em equipe e até mesmo motivação. 

    Existem muitas pessoas que estão em uma comunidade, em um trabalho com desgosto, com cara avinagrada como se fossem obrigados a estarem ali. Nós fazemos nossas escolhas em última instância, somos senhores do nosso destino. É certo que nem tudo escolhemos, mas as coisas podem ser transitórias, um trampolim para se alcançar coisas maiores. É Preciso viver com sentido, cor e alegria e não ser deixado levar pela correnteza da moda, ela é sufocante e não leva em conta a individualidade de cada ser.

    Em Cristo somos chamados a formar uma unidade na diversidade e não o contrário. É preciso resgatar nas pessoas esse sentido de pertença ao divino. Este é o grande convite do evangelho deste domingo: permanecer unido a Jesus e em seu nome, assumindo sua vida e missão. 

    O Reino precisa de gente comprometida, arriscada, com raízes profundas na vivência do Evangelho. Nós podemos e somos capazes, pois somos herdeiros de um grande amor que existe entre Deus e humanidade, amor capaz de encarnar a Deus no seio da humanidade. Ele é um verdadeiro agricultor, que se envolve com a terra da nossa humanidade e, nos dá sua mesma Graça para que adubemos nossa fé. Exemplo disso vemos na 1° leitura dos Atos dos Apóstolos 9, 26-31, quando o ressuscitado sai ao encontro de Saulo e transforma sua vida, não sendo mais este um homem temido e perseguidor dos cristãos, mas um apóstolo que passa a sofrer a mesma sorte de seu mestre: perseguição e morte, no entanto, para a comunidade a comunidade cristã, isso é sinal de júbilo, de vida, pois a videira continua a dar frutos em abundância. Por isso unamos nossa voz ao do salmista, que nos convida a louvar e exaltar a Deus.

    A 2° leitura da 1° carta de São João 3, 18-24, dispensa comentários pela sua clareza e profundidade:

"Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, 
mas em ação e em verdade.
Assim saberemos que somos da verdade; 
e tranquilizemos o nosso coração diante dele
quando o nosso coração nos condenar. 
Porque Deus é maior do que o nosso coração 
e sabe todas as coisas.
Amados, se o nosso coração não nos condenar, 
temos confiança diante de Deus
e recebemos dele tudo o que pedimos, 
porque obedecemos aos seus mandamentos e 
fazemos o que lhe agrada.
E este é o seu mandamento: 
que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo 
e que nos amemos uns aos outros, como ele nos ordenou.
Os que obedecem aos seus mandamentos permanecem nele, 
e ele neles. Deste modo sabemos que ele permanece em nós: 
pelo Espírito que nos deu."

    No Evangelho de João 15, 1-8, vemos que Jesus é a videira verdadeira e não Israel. Ele apresenta o Pai como agricultor, não apenas como dono visão do Antigo Testamento, mas alguém que trabalha pessoalmente, cuida de sua vinha e que poda os ramos secos, algo que se dá pela acolhida ou não acolhida ao anúncio de Jesus. O que existe é uma auto-exclusão, rechaço do Evangelho. 
 
    Por detrás do v. 4 está o apelo à comunidade cristã do final do primeiro século, que estava sendo perseguida e ameaçada. O convite é para que permaneça unida a Cristo e não abandone a sua fé, pois sem Ele perecerá, não dará frutos. 
    
   

    Jesus é a videira e nós os ramos, é preciso comunhão, coerência e consciência ao corpo que pertencemos e a função que nele temos. Se existem cristãos mornos e frios no amor mutuo, é porque saíram do dinamismo da videira e do amor. Permanecer em Cristo é permitir que Ele faça morada em nós, ou seja, uma assimilação que nos plenifique e se faça norma de vida.

Um feliz final de semana para todos!

sábado, 21 de abril de 2018

O Pastor é aquele que dá a vida por suas ovelhas


   Estamos celebrando o 4° domingo da páscoa. Domingo que fazemos a memória do Bom Pastor, aquele que dá a vida por suas ovelhas. Jesus é o verdadeiro Pastor que doa sua vida por amor, se revelando um Deus que sai ao encontro do seu povo e o cuida com muito amor. 

   Um verdadeiro líder e pastor é aquele que está à frente de seu povo, equipe, não como um dominador, mas como um guia e luz, motivando para a meta. 

   O verdadeiro pastor é aquele que conduz para a liberdade e conhece o seu rebanho. Os falsos pastores pelo contrário, sufocam as ovelhas, não as conhece e as manipula. 

    Hoje estamos em uma enorme crise de liderança e verdadeiros pastores, que confundem sua missão com o poder e o autoritarismo, em lugar do serviço e do bem comum. O modelo de pastor e líder para os cristãos e cristãs, será sempre o mesmo Jesus, que por amor ofereceu a sua própria vida em favor da humanidade, em um gesto oblativo salvífico. 

    Ao contrário do que muitos pensam, a missão de Jesus não foi algo somente pontual, em um lugar e época específica, mas faz parte da Revelação plena de Deus aberta para toda a humanidade, para os homens e mulheres de ontem, de hoje e de amanhã. Daí a importância da vida testemunhada dos cristãos, pois somos os continuadores, testemunhas deste legado de Jesus, reproduzindo seus mesmos gestos e palavras. Portanto, exclusão, sectarismo e preconceito, não fazem parte deste projeto, por isso somos convidados a rever nossas atitudes frente ao outro, ao diferente, ao estrangeiro, ao homem ou a mulher homossexual, ao pai e a mãe de família divorciado, pois o dom de Deus é oferecido a todos sem medida, tendo como primazia os excluídos e marginalizados. 

   Na época de Jesus alguns pastores castigaram as ovelhas extraviadas violentamente para repreende-las, Jesus pelo contrário, se mostra um pastor diferente, o pastor por excelência que não nos trata segundo o nosso comportamento, mas um pastor que cuida de todas com amor. 

    O mais importante no que diz respeito a fé, é fazer a experiência do Bom Pastor na vida concreta, cada um o experimenta segundo a sua realidade e história pessoal. Eu mesma sou muito grata a Deus pelos seus inúmeros cuidados para o comigo, através de familiares e amigos, detalhes de vida que provém somente de Deus, por isso não tenho vergonha de viver feliz testemunhando com minha peculiaridade, o amor e a ternura de Deus. 

    O Papa Francisco sendo homem transfigurado por Deus, tem sido um verdadeiro pastor frente às dificuldades e demandas da Igreja sabendo dialogar com diferentes credos religiosos em favor da paz entre as religiões. O verdadeiro líder e pastor são assim: promotores do diálogo, da paz e da vida. 

    Na primeira leitura de Atos 4, 8-12, temos o discurso querigmático do Apóstolo Pedro, aquele que antes fora traído pelo medo, anuncia a Jesus com ousadia, denunciando a covardia das lideranças judaicas que rejeitaram a Jesus e o projeto de Deus. No entanto, aquele que foi rejeitado tornou-se a base fundamental de um novo jeito de viver, uma vida cristificada, a luz do Cristo ressuscitado. Isto nos canta o Salmo 117 que nos convida a dar graças ao Senhor pela sua Bondade e Misericórdia. Este Salmo é maravilhoso, contém sábias palavras: " é melhor buscar refúgio no Senhor do que pôr no ser humano a esperança, é melhor buscar refúgio no Senhor do que contar com os poderosos deste mundo!" São palavras profundas e poéticas, por isso, convido a cada um a orar com este salmo, degustando cada palavra. 

     A 2º leitura da 1º carta de São João 3, 1-2, nos mostra que a fé que professamos é um grande mistério salvífico, um presente de amor que nos une mais a Deus, o qual podemos chamar de Abbá: Pai. A Revelação será mais plena quanto mais o mundo o conhecer, não por palavras , impostas, mas pela força do amor e do testemunho cristão. 


      O evangelho João 10, 11-18, estamos no contexto do conflito e diálogo de Jesus com as autoridades judaicas, onde ele denuncia o sistema injusto que explora e que não se abre para acolher o Filho de Deus na carne. 

    Podemos perceber que no Evangelho de João aparecem algumas auto revelações de Jesus: eu sou, que lembra a experiência que teve Moisés na sarça ardente, onde conheceu o Deus de seus pais, que saiu em socorro de seu povo. Jesus por sua vez, se revela o Deus da vida, enviado, o mesmo que se revelou a Moisés e não uma caricatura de Deus, em uma religião que tornou fria, legalista. Jesus é o bom pastor, líder que segue um caminho de ruptura com as leis caducas de Israel, ele é um pastor diferente que conhece suas ovelhas, sua realidade e também se faz conhecer por elas. 

   O mercenário que o texto faz referência, era alguém que trabalhava somente por dinheiro, por interesse e que diante do perigo e da ameaça fugia abandonando aqueles que estavam sobe sua proteção, Jesus pelo contrário, trabalha na gratuidade, no amor, por isso é livre para entregar sua vida, porque se sabe amado pelo Pai.

   "Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil" (v. 16), este versículo mostra que Jesus tem outras ovelhas, para além da casa de Israel. A Igreja deve fazer ressoar a voz de seu Pastor, para que todos possam ouvi-lo e para que o mundo seja unificado pelo dom de sua vida e entrega. Este unificado não significa uniformidade, todos iguais, no mesmo modelo, mas significa comunhão, unidade a partir daquilo que Jesus nos ensinou com exemplo de sua mesma vida. Na liberdade do amor Jesus entrega sua vida: "ninguém tira minha vida, eu a dou por mim mesmo" (18). Quem professa a fé em Jesus Cristo também é convocado a viver na mesma dinâmica de entrega e de amor, pois o mundo só será renovado com a força do amor e do respeito mutuo, onde vemos no outro parte de nós mesmos, irmãos, semelhantes desde o ato da criação.

Desejo a todos um Feliz final de semana
 ouvindo a Voz do Bom Pastor

sexta-feira, 13 de abril de 2018


    Estamos no contexto da Ressurreição experimentando com os primeiros cristãos a passagem da morte para a vida. Compreender a ressurreição de Jesus é algo que toca no mistério, pois não basta querer entender com a mente, é preciso experiênciar com o coração, fazer a experiência do ressuscitado, deixasse tocar por ele, a exemplo do Apóstolo Tomé, que desejava ver e tocar a Jesus, mas foi ele o tocado pelo Senhor ressuscitado, narração que vimos no domingo passado. Na narrativa de hoje, temos o testemunho dos discípulos de Emaús, que após a experiência do ressuscitado voltaram ao seio da comunidade, como vemos, a experiência da Ressurreição é algo pessoal, mas que é enriquecida na comunidade. 

   A fé também é um processo testemunhal, pois o que experimentamos somos chamados anunciar aos outros:" sereis minhas testemunhas" Atos 1, 8b. O testemunho se dá especialmente na vida concreta, com gestos e palavras transfigurados. A vivacidade do testemunho é algo que nossas religiões precisam recuperar, pois sobressai o peso das estruturas e falta a voz e a leveza do Espírito Santo que conduz a história da humanidade. 

    Na primeira leitura dos Atos dos Apóstolos 3, 13-19, temos um anúncio querigmático sobre Jesus, pelo apóstolo Pedro. Como vemos, a experiência da Ressurreição dá espaço ao novo: em lugar do medo, sobressai a coragem, a ousadia, a tristeza cede lugar a alegria, a esperança e a fé. Pedro mostra que não existe ruptura entre o Deus de Israel e o Deus de Jesus, ao mesmo tempo que denuncia os judeus por terem matado Jesus. Convida a todos a conversão de coração, pois a proposta de Jesus é aberta para todos, desde que estes acolham sua proposta. 

    No salmo 4: " sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face", temos um salmo de confiança, de alguém que experimentou a bondade de Deus, por isso testemunha suas maravilhas. 

   A segunda leitura da 1º carta de São João 2, 1-5a,   temos o testemunho a respeito de Jesus como nosso defensor junto do Pai, por ser aquele que penetrou na fragilidade humana e ofereceu salvação. 

   O Evangelho de Lucas 24, 35-48, temos o regresso a comunidade dos dois discípulos tristes, que não compreenderam o que havia acontecido com Jesus. Decidiram regressar ao povoado de Emaús, deixando para trás todo o vivido com Jesus e seus companheiros de caminho, mas justamente no caminho de regresso fizeram a experiência do ressuscitado. O mesmo caminho de regresso se tornou o caminho de partida. É interessante notar que no início os cristãos eram conhecidos como os do caminho, pois como as estradas do Império Romano eram boas e seguras, os cristãos saíam anunciando o kerigma de Jesus Cristo. 

   Os discípulos de Emaús encontraram a comunidade reunida e contaram tudo o que havia acontecido, mas foram surpreendidos pelo mesmo Jesus ressuscitado: cerne da Comunidade Cristã, com a saudação da Paz: a paz esteja convosco! No entanto, os discípulos ficaram assustados e cheios de medo, sinal da dificuldade de assimilar a ressurreição. 

   A atitude de Jesus é cheia de amor pelos seus. Ele se mostra como aquele que sempre caminhou com eles. Reparam em que a partilha e a fração do pão é algo presente nas primeiras comunidades cristãs, símbolo de comunhão e de simplicidade. Por estes gestos, os discípulos creram no ressuscitado e se tornaram suas testemunhas. Nós os cristãos somos herdeiros da Fé dos Apóstolos e enviados a testemunhar com a vida, a vida nova e ressuscitado em Cristo. 

Um Feliz final de semana na presença do ressuscitado!

Santo Agostinho: o pregador da misericórdia


   Estamos na semana da Misericórdia, por isso vamos refletir sobre a misericórdia em Santo Agostinho. A festa da Divina Misericórdia, foi instituída no ano 20000, pelo Papa João Paulo II, a partir da devoção a Jesus misericordioso, segundo os relatos e aparições que recebeu Santa Maria Faustina. Esse é um tipo de devoção particular (Faustina e João Paulo II) que foi imposta a toda a Igreja, no entanto o tema da misericórdia é sempre atual, pois o amor e a salvação oferecidos por Deus, é uma proposta aberta a toda a criação, em diferentes contextos e épocas. 

   A reflexão sobre a misericórdia em Santo Agostinho, parte da experiência de sua própria de vida, pois foi um homem profundamente tocado pela misericórdia de Deus, o que resultou em um homem brilhantismo, que contribuiu para a história da Igreja e sua doutrina. Sua experiência foi tão profunda e radical, que no ano 391, escreveu o livro das confissões, onde confessou sua vida errante, mas sobretudo, cantou a misericórdia de Deus. Em um sermão confessou que tendo saído do ninho antes de saber voar, foi tocado pela misericórdia de Deus para ser novamente levada ao ninho, antes que fosse pisado pelos que passavam ou morresse prematuramente. 

   Para Santo Agostinho, Deus se dá a conhecer primeiramente na misericórdia. Aos seus fiéis ele explicava de modo especial, a misericórdia que socorre a necessidade do pobre. 


   Em sua etimologia, a palavra Misericórdia significa sentir compaixão com a coração, pois nela está a junção de duas palavras latinas: miserere: compaixão e cordis; coração, ou seja, a misericórdia é um sentir com o outro desde as entranhas. 

   Referindo-se à misericórdia, Agostinho também traz presente o simbolismo do coração, pois este indica o homem em sua existência concreta. Para Agostinho o homem se identifica com o amor e crê que para encontrar a misericórdia de Deus, precisa descer ao coração: lugar da intimidade, pois Deus age desde dentro daquilo que somos. Quando a misericórdia invade o coração, o homem vê que naquele momento, Deus está nele presente e, por isso, é capaz de sair de si mesmo e se aproximar de Deus, dos demais e do seu próprio mistério. 

   A misericórdia deste modo torna-se um dos caminhos através dos quais Deus se aproxima do mundo, de suas raízes mais profundas. Esta é uma visão belíssima, no entanto desvalorizada, pois o ser humano tem medo de olhar para si mesmo e de encontrar-se com a sua própria verdade, por isso busca milagres e ritos mágicos: porta santa, água benta, amuletos... crendo que são meios eficazes de se chegar a Deus e obter seu perdão. 

   O santo de Hipona acreditava que a existência humana é o tempo da misericórdia de Deus, sendo esta uma ponte entre Deus e os homens, por isso afirmava que o Sermão da Igreja deveria ter como sujeito específico, a misericórdia divina, pois esta desperta a consciência de ser recebedor da Graça misericordiosa de Deus, da qual nasce sua consciência de Misericórdia e compaixão com o outro. Santo Agostinho acreditava que com a misericórdia o homem aprende a sentir-se unido ao seu semelhante. Por tal experiência, o homem conhece a humanidade não desfigurada pelo mal e no encontro com seu semelhante reconhece e recupera a sua própria humanidade. 

   Em conclusão, a misericórdia para Santo Agostinho é uma das maiores mediações que permite ao homem conhecer a si mesmo, o mistério da própria humanidade que liga aos seus semelhantes. 

   Sondando as obras de Agostinho, descobrimos um pregador dá misericórdia, um homem preocupado com as misérias de sua época, mas também com a autenticidade da fé professada em Jesus Cristo. Em um sermão ele perguntou a assembleia em que consistia a misericórdia, algo que ele mesmo respondeu sabiamente: a misericórdia é encher o coração com um pouco de miséria do outro, o que implica sentir com o coração, por isso diz: "se deres pão a quem tem fome, doe-lhe com a participação do coração, pois se amamos a Deus e ao próximo não podemos fazer nada sem sentir compaixão no coração" (sermão 358). 

   Santo Agostinho foi um místico, um ser imerso em Deus, que tendo se convertido ao cristianismo optou por um novo estilo de vida, fundando um monacato com seus amigos, por isso refletiu o tema da misericórdia na pratica por vários âmbitos, entre eles podemos citar a misericórdia no falar. Quão atual é o pensamento de Santo Agostinho! Em contraste com seus ensinamentos percebemos que existem cristãos somente preocupados em pagar o dízimo, em exercer um gesto de caridade por aparência ou obrigação, mas que não são tocados no coração e tampouco se preocupam com a fofoca, com o criticismo, com a mentira... 

   O Papa Francisco declarou 2015 que a fofoca é a ferrugem da Igreja, ele assim como Agostinho, acreditava que a misericórdia está em tudo o que somos e fazemos, pois ela é a doçura de Deus, é um gesto concreto de amor, sempre a exemplo do pai misericordioso. 

   Santo Agostinho fala poeticamente de Cristo como misericórdia, que saiu em socorro da humanidade como um verdadeiro samaritano (sermão 365). 


 Crê que os cristãos são membros do corpo de Cristo misericordioso, pois se a nossa fé, esperança e caridade for nele sincera, estamos no seu corpo e somos seus membros. Santo Agostinho também fala da Misericórdia como juízo da consciência, porque Deus opera em nós de maneira que nós também devemos atuar. Para isso, ele convida a cada fiel a ser juiz de si mesmo, para depois ocupar-se do outro:” volta a ti mesmo, cuida de ti, examina-te, perscruta-te’. 

   Como Bispo e sacerdote Agostinho crê que os ministros da Igreja são automaticamente, ministros da misericórdia, agindo como canais da misericórdia de Deus. 

domingo, 8 de abril de 2018

Domingo da misericórdia


    Uma fé profunda e madura requer o seguimento de Jesus, que parte da experiência do ressuscitado, uma experiência pessoal que se enriquece e se complementa na comunidade. Estamos celebrando o segundo domingo da Páscoa, onde celebramos a vida e a ressurreição de Nosso Senhor: razão e alegria de nossa fé. Este domingo é conhecido como domingo da Misericórdia, lembrando o amor de um Deus que sai ao nosso encontro, que se manifesta ressuscitado e nos faz participantes de sua vida nova. 

    Como cristãos temos o Senhor Jesus como nosso Senhor e mestre, espelho e modelo que nos impulsa a seguir com sua mesma missão, que ao contrário do que muitos pensam, não consiste no tanto fazer, mas no ser, ser pessoas que testemunham vida em Cristo, que testemunhe o seu lema: “ eu vim para que todos tenham vida...”, por isso, se ainda existem pessoas no submundo e na marginalidade da vida, precisamos mais eficazmente trabalhar para que esta vida nova em Cristo, seja uma realidade para todos e não para uns poucos, pois este não é o querer de Deus. 


    A 1º leitura dos Atos dos Apóstolos 4 32-35, nos dá testemunho de uma comunidade que foi capaz de vencer o medo e o egoísmo para viver de um modo transfigurado: formando uma só alma e um só coração em Deus e para Deus. Uma vida Orante e Caritativa, onde serviam o próprio Cristo nos necessitados, viviam a dinâmica da grande casa comum, não tendo nada como o próprio. 

    Esta leitura tem muito a nos dizer, pois se repetem os mesmos sinais de injustiça, de desigualdade, de fome, de miséria, onde muitos vivem excluídos e marginalizados do grande sistema econômico, político e religioso, sendo que os dois últimos, são para promover a vida e não para destruída. 

    Com o Salmo 117/118, nos unimos ao salmista que canta a misericórdia do Senhor, seu amor e bondade. Um salmo de Ação de Graças, que canta a vitória de Deus sobre a sobre a morte. Por isso cante, de graças ao Senhor pelos sinais de vida, de amor e de Cuidado que ele tem para conosco, mas sobretudo, está vida nova que ele nos oferece com a luz da Ressurreição. 

    A 1º carta de São João 5,1-6 nos questionar diante do Senhor ressuscitado, pois todo aquele que diz crer nele, deve também amar os seus irmãos: podemos saber que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos” (v. 2). Como podemos ver, a fé e o amor de Deus segue a dinâmica horizontal e vertical envolvendo o amor a Deus e também o amor aos irmãos, dinâmica que se complementa em uma única coisa. 

    O evangelho de João Capítulo 20, 19 -31, narra duas aparições do ressuscitado: a primeira, Jesus aparece para a comunidade reunida, fechada pelo medo, pois estavam desorientados, ainda experimentando a morte de seu senhor e certamente se questionavam sobre o que seria de suas vidas, pois tudo deixaram para seguir a Jesus.. Como comunidade fizeram a experiência do ressuscitado, em lugar de medo, pânico e confusão, ele lhe oferece a paz: a Paz esteja convosco! Jesus se apresenta em um corpo glorioso, que testemunha que ele é o mesmo que morreu na cruz, por isso mostra suas mãos e um lado aberto. Novamente oferece a paz, como se dissesse aos seus discípulos não há o que temer; eu sou Jesus, o mesmo que sempre esteve conosco, o Enviado do Pai que agora os envia ao mundo. Mas para isso, Jesus os capacitou com o seu mesmo Espírito, o que se tornou a vida da Comunidade, para que ela desce continuidade ao projeto de Deu. Entre os pontos deste projeto, é elencado perdoar ou não perdoar os pecados e, pecado para João é aderir a ordem injusta social que matou Jesus e continua matando a tantos inocentes. 


     O segundo relato da aparição de Jesus se dá uma semana depois, onde a comunidade se encontra reunida novamente, porém desta vez com a presença do Apóstolo Tomé, que desejava contemplar o ressuscitado com seus próprios olhos. Tomé nos mostra, que não basta ficar com aquilo que nos dizem, mas que é necessário fazer uma experiência pessoal da Ressurreição. Também é interessante notar que as portas ainda permaneciam fechadas, o que a meu ver pode significar intimidade, mas também a dificuldade de assimilar a ressurreição. O mesmo processo que passou com as primeiras comunidades, também nós os enfrentamos, no entanto, a grande diferença está que os primeiros cristãos foram capazes de fecundar a humanidade, testemunhando o ressuscitado e nós, o que fazemos de diferente hoje? É preciso crer no ressuscitado, saber que ele vive e, por isso podemos Crer no Amanhã.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Orar com o corpo: um meio de encontro com Deus



    Jesus no horto se prostrou por terra, Maria, irmã de Lázaro em um gesto de honra a Jesus, unge seus pés e os enchova com seus cabelos; o oficial romano suplica de joelhos pela vida de seu filho... Como vemos a oração é um gesto que participa todo o corpo e quanto mais eficiente será, quanto mais consciência tivermos disso. 

    Ao longo da história da Igreja, o corpo foi desprezado, devido a influência platônica que recebemos. O corpo era motivo de pecado para a alma, por isso devia ser mortificado. Desde o concilio vaticano II, a Igreja recuperou a unidade de ser humano como corpo e alma por inteiro e não separados. A encíclica Gaudium et spes no número 3 traz uma nova visão antropológica: unitária e coletiva. O ser humano já não mais é visto como corpo e alma separados, opostos: visão dualista, mas sim como um todo, chamado a se relacionar com o meio onde vive. É uma visão positiva que integra ser e realidade: 

O homem, ser uno, composto de corpo e alma, sintetiza em si mesmo, pela sua natureza corporal, os elementos do mundo material, os quais, por meio dele, atingem a sua máxima elevação e louvam livremente o Criador (GS 14). 
    No entanto, a visão antiga permanece na cabeça de muitas pessoas, além de ser fomentada por pessoas (leigos, religiosos, sacerdotes) que não conseguiram fazer esta ponte, que corresponde a fé inicial do cristianismo, visto que nascemos no mundo semita, onde o corpo e alma formavam uma unidade. O dualismo começou a influenciar a fé cristã, quando o cristianismo foi helenizado. 

    Para falar da importância do corpo no gesto orante, me apoio no monge e psicólogo alemão, Anselm Grun, em sua obra: rezar com o corpo – o poder curativo dos gestos. Obra que escreveu com um co-irmão: Michael Reepen. 

    Grun destaca que quando descobrimos a poder dos gestos e de orar com corpo, as reflexões teóricas são secundárias, pois orar conscientemente com nosso corpo, nos permite entrar em contato primeiramente conosco e perceber como estamos: tensos, bloqueados, irritados, alegres, tristes, pois tudo isso reflete diretamente em nosso corpo e como nos relacionamos com o outro, com as coisas e o mundo. “O corpo não mente, ele é mais honesto que nosso entendimento” (Grun). Esta realidade também pode ser percebida no âmbito da fé, onde dizemos crer em Deus, mas diante das dificuldades tencionamos o corpo, nos angustiamos, isso mostra que ainda estamos agarrados a nós mesmo e estamos longe de nos entregarmos a Deus. É uma realidade onde se tem “a fé com a cabeça, mas ainda não com o corpo. A fé precisa escorrer da cabeça para o corpo, pois só assim é capaz de tomar conta da pessoa inteira...” (Grun). 

   Segundo Anselm Grun e Michael Reepen, o encontro com nosso corpo tem dois aspectos: por um lado o corpo é um “barômetro” que mostra como está o nosso corpo e qual é a sua real situação, onde temos medo e nos agarramos. Ele nos diz quem somos de fato. Ele se comunica mesmo que estejamos em silencio. No entanto, o corpo também é um instrumento com o qual podemos modificar nossa atitude interior, pois segundo Karlfried Graf Durkheim, nosso corpo é o lugar da individuação e da experiência com Deus, pois através do corpo também encontramos a Deus. “Ele é um parceiro importante não só no caminho até a maturidade humana, mas também no nosso caminho espiritual, no caminho até Deus” (Durkheim). 


    Por um lado, segundo Durkheim, assim como Grun e Reepen, o corpo indica como está a nossa relação com Deus, se realmente nos abrimos, nos entregamos a Ele, se confiamos nele e nos abrimos para Ele. O corpo nos revela se estamos presentes ou distraídos, se estamos receptivos para Deus ou se fugimos dele e de nós mesmos, pois os gestos de oração são expressão da nossa experiência de Deus e que ao mesmo tempo nos conduz até ele. O gesto exterior ocasiona uma atitude interior e uma experiência interior. Quando aceitamos fazer o gesto, entramos em contanto com as intuições de Deus que já estão presente em nosso coração, mas que se encontram soterradas debaixo da superfície da consciência cotidiana. 

    Grun e Reepen destacam algo que eu mesma pude experimentar várias vezes: sobretudo em época de vazio interior, orar com o corpo ajuda a segurar-nos em Deus, e abrir-nos novamente para Ele e adquirir um faro fino para Ele. 
  
  Para mim, Juliana, uma das posturas mais queridas e profundas é a da prostração, pois nela experimento o abandono em Deus, sinto que nesta postura ele me abraça, meu recolhe, me submerge inteiramente nele. Sempre senti a prostração como uma postura libertadora, especialmente nos momentos de tristeza, de peso emocional. Também medito muito com a postura da flor de lótus, tão difundida no zen budismo, onde recolho todos os sentidos, combato os vários demônios da distração 


1º Domingo da quaresma 2020